VIVIANE FEITOSA | 11 de maio de 2017 - 18h11

Chef campo-grandense comenta as escolhas do Guia Michelin 2017

Apaixonado e estudioso da gastronomia de vários cantos do Brasil, Paulo Machado defende um maior entendimento por parte dos jurados do que é a tão falada sofisticação brasileira

GASTRONOMIA
Paulo Machado acredita que grandes nomes ficaram de fora do Guia - Lucas Possiede

Em semana esquentada na política, teve quem estivesse sob pressão mesmo era com o resultado do guia Michelin, a publicação mais reconhecida na gastronomia mundial, divulgado na segunda-feira, 8.

Criado para estimular o hábito por viagens pela Europa e chancelado pela marca de pneus Michelin, o guia chega às livrarias na semana que vem, e tem hoje, na opinião de alguns chefs brasileiros, critérios muito distantes da nossa realidade.

Na Internet, a página corporativa do Guia descreve como os inspetores realizam a avaliação:Anônimos (como clientes comuns, sempre pagam sua conta), avaliam cada prato, baseando-se em cinco critérios: a qualidade dos produtos utilizados, a personalidade da cozinha, a técnica de cozimento e a harmonização dos sabores, a relação preço e qualidade e, também, a regularidade.

Em uma fase de céu de brigadeiro na profissão, ( ele acabou de ser jurado no Masterchef da Band, em avaliação de pratos do Centro-Oeste) o chef campo-grandense Paulo Machado comentou na entrevista abaixo as estrelas ou a ausência delas para os restaurantes nacionais.

Essa semana, você publicou no seu perfil no Instagram sobre a indignação que você e alguns chefs renomados brasileiros sentiram quando souberam do resultado do Michelin 2017. Para quem é de fora do meio, explique o que poderia ter sido diferente?

O guia está no Brasil desde 2015. Já há 2 anos, premia restaurantes do Rio e São Paulo (capitais); era hora de dar estrelas a mais restaurantes consagrados nessas metrópoles e que servem cozinha brasileira séria e com pesquisa.

O prêmio não criou uma categoria –a  Bib Gourmand - para os restaurantes ditos alternativos ou típicos?

O guia não classifica restaurantes típicos. Há simplesmente uma, duas ou três estrelas (que eles chamam etoile). E há ainda uma menção a restaurante, uma espécie de homenagem. Eles possuem também a classificação Bib Gourmand (que seria o bom e barato). Este ano, há aqueles que ganharam menção, mas na minha opinião e de muitos chefs, mereciam no mínimo uma estrela por seu trabalho inovador em suas cozinhas. Para mim, o maior problema do guia está em reconhecer como dignos de estrelas por aqui restaurantes de serviço e cara mais europeizadas, esquecendo a sofisticação despojada brasileira, o charme de nossos bares e botequins cariocas, a graça da nossa feijoada. Eles têm como base a Europa e nós não somos a Europa.

Quais restaurantes, na sua opinião, teriam que estar no guia e não estão?

Na minha opinião tem vários ausentes: Tordesilhas, A Casa do Porco, Mocotó, Jiquitaia, Obá, Carlota, Sal, Arturito, Le Jazz, Chef Vivi, Obá, Bar da Dona Onça, Choux, Lilu, Brace... sem contar os do Rio: Aconchego Carioca, MiniMok, Prosa, NamTai, Café Lamas. Ressalto - alguns dos que listei possuem menção no guia, há mais de uma edição - mas nenhuma estrela Michelin.

Para você, qual o melhor restaurante hoje no Brasil?

Gosto de muitos, difícil escolher um. Pegar um avião e ir a Recife pra comer o chambaril do Seu Luna. Esticar a Olinda e provar uma vez mais a cartola do Oficina do Sabor do Chef César Santos. Ou ir a BH pra se esbaldar com as delícias da dona Neusa do Xapuri. Ou comer um açaí fresquinho com peixe e farinha no Point do Açaí do Nazareno em Belém. Enfim, são tantos lugares e sabores. Pra mim, o restaurante Tordesilhas, em São Paulo, consegue me matar um pouco das saudades que tenho das regiões que eu mais gosto do meu país. Indico começar com pasteizinhos e o queijo coalho que vem de Gravatá em Pernambuco, seguir com o pato no tucupi ou o barreado e de sobremesa cocada ou sorvetes da paraense Cairú.

E o melhor chef?

Naturalmente, a Chef Mara Salles, do restaurante Tordesilhas. Profunda conhecedora de técnicas e ingredientes dos rincões desse vasto Brasil, além de minha professora e pesquisadora.

Estar no guia é uma coroação ápice da profissão ou mais um reconhecimento rumo a algo maior?

É sem dúvida o reconhecimento de todo um trabalho. Da equipe, brigada e esforços que o restaurateur, o chef, enfim o trabalhador da área de gastronomia tem diariamente para apresentar o seu melhor.

Muitos chefs comentam que ganhar a estrela nem é tão difícil quanto se manter no Guia. O que um restaurante tem que fazer para continuar no Guia?

Sem dúvida, é um prêmio que pode se tornar verdadeira tortura. Não é à toa que tem chef pelo mundo que abre mão da estrela ou mesmo de ser indicado pelo guia Michelin. Não há uma fórmula verdadeira, mas, como disse, percebo que os critérios de avaliação do guia no Brasil são muito mais ligados a restaurantes de padrão europeu do que restaurantes de personalidade brasileira.

Você sabe quais os critérios usados pelos críticos ? Há algo político nessa avaliação ?

O guia Michelin é antes de tudo turístico. Indica, principalmente, para quem visita uma nova região os melhores lugares para se comer. Na França, por exemplo, eles indicam inclusive hotéis e pousadas. Vejo assim a essência do guia, desde 1900. No Brasil, o prêmio é novo. Acredito que vai se transformar, estabelecer critérios de maior brasilidade, como tem feito no Japão e Singapura. Por exemplo: o restaurante DOM ou o Maní, considerados por muitos os melhores do país, deveriam na minha opinião, ter a nota máxima do guia, "le trois macaron". São uma base de comparação e, assim, se entenderia melhor a que veio o guia. Não acredito que um guia tão renomado se renda a caprichos políticos. Além disso, conheço os restaurantes e muitos dos chefs premiados. Posso afirmar que eles possuem realmente um trabalho de consistência e primoroso. Há muito suor envolvido.

O que você- chef jovem mas talentoso e em busca de descobertas na gastronomia - faz hoje para alcançar um dia um reconhecimento do porte do Michelin?

Nada. Procuro fazer meu trabalho da melhor forma possível, de forma incansável e com devoção. Tenho um trajeto multifacetado na gastronomia. Pesquiso, dou aulas e levo grupos de estudantes da área para conhecer os melhores lugares do Brasil e do mundo nos #FoodSafaris. Além disso, desde 2010 tenho o Instituto Paulo Machado que oferece experiências itinerantes com a minha gastronomia que tem acento pantaneiro e de muita brasilidade. Já servi clientes em mais de 15 países. Muitas dessas experiências estão relatadas na minha coluna mensal "Terra Estrangeira" da revista Menu, e que num futuro próximo vão virar livro com todas as receitas.

Leia AQUI o artigo de Paulo Machado sobre o Guia Michelin Brasil 2017.