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Opinião

"O sigilo bancário e a IN 1571-15"

12 novembro 2015 - 16h30Vladimir Rossi Lourenço

As Instituições Financeiras sabem e os agentes do fisco também: é dever dos destinatários da norma que protege o sigilo bancário manter resguardados dados de tantas quantas pessoas, físicas ou jurídicas, operem, de uma ou de outra forma, nesse sistema.

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Seja como expressão do direito à intimidade ou privacidade ou mesmo projeção desses direitos (inciso X), seja objetivamente como inviolabilidade dos dados (inciso XII), revela-se sobranceiro que a proteção à inviolabilidade do sigilo bancário tem raiz constitucional e não decorre, perdoe-me quem assim pensa, da criação dadivosa do legislador complementar (LC 105/2001). Integra o rol dos direitos e garantias fundamentais de todos os cidadãos brasileiros.

Dúvida alguma tenho de que dedução dessa espécie presidiu a tomada de posição da Confederação Nacional do Comércio, do Partido Social Liberal e da Confederação Nacional da Indústria quando propuseram as ações diretas de inconstitucionalidade contra a lei complementar 105/2001 e o decreto 3724/2001 (Adins no STF nºs 2386, 2390 e 2397, tendo como relator o Ministro Dias Toffoli).

A Instrução Normativa RFB nº 1.571, de 02/07/2015 foi além das questionadas normas que lhe deram fundamento. Não se satisfez em romper os limites de duvidosa constitucionalidade traçados pela lei complementar e pelos decretos que a regulamentaram.

Dispôs, por exemplo, no seu artigo 7º que, na hipótese em que o montante global movimentado em cada mês, por tipo de operação financeira mencionadas nos incisos I, II e VIII a XI do artigo 5º da aludida norma, seja superior a R$ 2 mil, no caso de pessoa física, ou de R$ 6 mil, no caso de pessoa jurídica, as instituições financeiras deverão prestar informações relativas às demais modalidades de operações, ainda que movimentadas em montantes globais inferiores aos limites estabelecidos (§2º, artigo 7º), contrariando o disposto no artigo 4º do decreto nº 4.489 de 2002. O Decreto 3.724 de 2001, também alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade, ao possibilitar a quebra do sigilo bancário pela autoridade administrativa, exigiu como condição a existência de processo administrativo fiscal, o que não faz a sobredita IN.

No âmago da relação jurídico-tributária, o sujeito ativo (no caso do Imposto de Renda, União–Fazenda Nacional) age como parte, impondo o cumprimento do dever ao contribuinte e, assim, não pode gozar de privilégios que desequilibrem essa relação.

A regra constitucional que veicula o direito ao sigilo de dados bancários só pode ceder à excepcionalidade no curso de processo administrativo ou judicial, quando necessária para conclusão da ocorrência do fato tributário ou eventual fraude ou crime, sempre mediante ordem judicial.

Alguém já disse que uma vida pode ser escrita a partir dos cheques emitidos e das compras com cartões de crédito. É um direito seu, meu, nosso, de todo cidadão brasileiro, assegurado constitucionalmente, que esses dados não sejam devassados por quem quer que seja sem a existência prévia de processo, ainda que administrativo.

A instrução normativa de julho de 2015, implementando a e-Financeira, irá promover quebra generalizada no sigilo bancário de inúmeros correntistas. Por isso, é inconstitucional. O argumento de combate à sonegação fiscal, ao crime contra a ordem tributária, à evasão fiscal, à lavagem de dinheiro, ainda que razoável, não justifica que se infrinja a Constituição. Nada, aliás, o justifica. Os caminhos só podem ser os indicados por ela.

Fora da Constituição, não há segurança jurídica, nem esperança. E isso vale tanto para governados como para governantes.

Vladimir Rossi Lourenço é advogado, sócio da Rossi Lourenço Advogados, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP.

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