tce
DADOS PREOCUPAM

Transtornos mentais afetam professores universitários em MS

Pesquisa da UEMS revela necessidade de avanço em ações de prevenção.

17 novembro 2015 - 13h00Da redação com informações da assessoria
Assessoria

“Eu sentia que o máximo que eu fazia não era bom o suficiente. Isso mexeu com minha autoestima e foi agravando até se tornar uma depressão grave”. A lembrança indesejada, em tom baixo, resume a experiência de uma professora universitária que representa um expressivo grupo de profissionais atingidos por transtornos mentais e comportamentais em Mato Grosso do Sul.

Canal WhatsApp

A docente, que prefere não se identificar, é uma profissional qualificada e bem remunerada, mas nenhum título acadêmico a protegeu de ser atingida por um problema que chega a afastar mais de 10% dos professores universitários da rede pública estadual.

Inúmeras pesquisas no Brasil já vêm apontando, nos últimos anos, para a vulnerabilidade de professores da rede básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) em relação a transtornos psiquiátricos e comportamentais. Uma série de dados recentes levantados pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), porém, mostra que o problema também é uma realidade entre professores universitários, intensificando o alerta para a necessidade de um planejamento preventivo também em relação à saúde mental de profissionais da educação superior.

Em busca de lançar luzes sobre esse cenário desafiador, que alcança todos os níveis da educação, o levantamento da UEMS revela que entre 2011 e 2014, mais de 10% dos afastamentos de docentes efetivos foram motivados por transtornos desta natureza. A média de dias afastados do trabalho para cada servidor acometido por enfermidades desta natureza também preocupa: 39 dias. O longo período decorre principalmente da complexidade demandada pelo tratamento.

No caso da jovem professora citada no início desta reportagem, o afastamento foi de dois anos. Hoje, já readaptada e, segundo ela, “sentindo-se feliz e acolhida em seu novo local de trabalho” ela consegue tirar um importante aprendizado de tudo o que passou. “Às vezes a gente quer abraçar o mundo, sala de aula, pesquisa, iniciação científica, mostrar produção e se esquece que a vida é somatório. Tem que ter a vida pessoal, a social, a profissional e a religiosa, quando desequilibra esse quadrante, a gente acaba ficando sujeito a uma depressão”, diz.

Realidade ainda mais grave

A psicóloga Nauristela Paniago, da Divisão de Desenvolvimento de Pessoas da UEMS, alerta que o dado ainda não revela completamente a realidade de afastamentos na Instituição. Isto porque nos registros de afastamentos do período analisado, apenas 31% apresentam informações relativas à Classificação Internacional de Doenças (CID). “Estes dados são fundamentais para que a instituição, juntamente com o Estado, possa primeiro conhecer integralmente as dimensões do problema e, em seguida, criar uma estratégia eficiente de prevenção e acompanhamento de cada caso”

Consciente do desafio de atender este tipo de caso, a pró-reitora de desenvolvimento humano e social da UEMS, Adriana Rochas, afirma que a Universidade tem buscado alternativas para enfrentar o desafio que representa o adoecimento de servidores por motivos mentais e comportamentais. Uma delas é a criação de uma estrutura de atendimento montada pela gestão com psicólogos e assistentes sociais habilitados para dar os encaminhamentos necessários em cada caso.

Mas para o principal foco de ação, que é a prevenção, a pró-reitora afirma que é fundamental a colaboração dos servidores que convivem com colegas em fase de desenvolvimento de algum transtorno de ordem mental. De acordo com Adriana (ver o vídeo abaixo) há alguns sintomas que ajudam os próprios colegas a identificarem o problema antes que ele se agrave, por exemplo: “é preciso observar se a pessoa está se irritando facilmente, ou não conversa, ou atrasa muito os planos de trabalho, ou não consegue cumprir”, diz a pró-reitora alertando que em casos como esse, o servidor deve buscar ajuda na instituição ou de um médico de confiança.

Aos professores que possam estar vivenciando os dramas de uma depressão, ou qualquer outro transtorno psiquiátrico que os impeça de realizar suas funções como gostaria, a professora da UEMS readaptada, ouvida ao longo desta reportagem, aconselha: “Tudo tem início, meio e fim. Para as pessoas que estão passando por isso, meu conselho é não acreditarem que é o fim do mundo, porque não é. Isso passa! Eu achava que estava num túnel sem luz, no final, que nunca iria sair daquele breu, mas nada melhor que o tempo e do acompanhamento de um bom profissional, pois isso faz toda a diferença”.

Desafio para a educação em todos os níveis

Segundo o superintendente de Administração de Pessoas da Secretaria de Estado de Educação (SED), Welinton Fernando Modesto da Silva, o panorama de afastamentos provocados por transtornos mentais na educação superior pública estadual é muito parecida com a da rede pública de educação básica de MS. “Deste ponto de vista, tanto a UEMS quanto a rede estadual de ensino têm o mesmo perfil, ou seja, a grande maioria das licenças que são concedidas aos servidores, também tem esse perfil”, diz o superintendente.

Atualmente a área de Recursos Humanos da SED conta com o setor psicossocial, responsável por realizar um acompanhamento sistematizado dos servidores que apresentam problemas de ordem psicológica e com os servidores readaptados. O objetivo, segundo Modesto da Silva, é identificar as áreas em que esses servidores podem atuar e identificar os talentos. “Fundamental entender as causas que acometem esses servidores e trabalhar na prevenção, porque se a gente atua só na causa, não resolve o problema”, completa.

Segundo o superintendente, os afastamentos e readaptações interferem diretamente na estrutura de trabalho das escolas. “No caso dos servidores administrativos é ainda mais complicado, porque na falta deste servidor eu não tenho mecanismo legal para substituí-lo imediatamente a não ser por uma chamada de concurso. Isso cria para a estrutura de trabalho um desequilíbrio no quadro de servidores que é essencial para o funcionamento da unidade”, diz Modesto da Silva.

No contexto específico da educação superior estadual, uma nova pesquisa desenvolvida no âmbito da Pró-reitoria de Desenvolvimento Humano e Social da UEMS tem entrevistado uma série de professores da instituição, buscando identificar os mecanismos de compensação que os profissionais utilizam no sentido de enfrentar as situações de estresse inerentes à profissão.

A síndrome da educação

O risco à segurança mental na área da educação é tão grave que professores, de todos os níveis, estão entre os públicos mais vulneráveis à Síndrome de Esgotamento Profissional, também conhecida como Síndrome de Burnout. De acordo com pesquisa desenvolvida pela psicóloga Nádia Maria Beserra Leite, da Universidade de Brasília (UNB), e publicada no Portal do Professor do Ministério da Educação, 15,7% dos mais de oito mil professores da educação básica da rede pública na região Centro-Oeste do Brasil apresentam a Síndrome. “A enfermidade acomete principalmente profissionais idealistas e com altas expectativas em relação aos resultados do seu trabalho. Na impossibilidade de alcançá-los, acabam decepcionados consigo mesmos e com a carreira”, explicou Nádia.

A Síndrome de Burnout é um estado de sofrimento do trabalhador que já não consegue fazer frente às situações de estresse presentes no seu cotidiano de trabalho. Diferentemente do estresse comum, que se caracteriza pela luta do organismo no sentido de recobrar o equilíbrio físico e mental, a síndrome de Burnout compreende a desistência dessa luta e, embora não se ausente fisicamente do seu trabalho, o profissional não consegue se envolver emocionalmente com o que faz. Nesta reportagem abaixo, publicada pelo canal Futura, a pesquisadora Hilda Levato aponta que fatores como violência, infraestrutura, jornada de trabalho e salário não são determinantes para o diagnóstico. “O que está provocando isso? Em grande parte a impotência deles sobre o próprio agir”, diz Hilda.

Assine a Newsletter
Banner Whatsapp Desktop