
A Fazenda Eldorado, que se estende por 27.407 hectares no município de Sidrolândia, a 40 quilômetros de Campo Grande, em quatro anos passou por uma transformação profunda, desde quando foi vendida pelo Grupo Bertin (Grupo Bertin é o mesmo que controla a Águas Guariroba e está construindo a rodoviária da Capitalpara) que o Incra a transformasse num assentamento da reforma agrária.

O que era um latifúndio produtivo, com um rebanho de 20 mil cabeças de gado, hoje, loteada em pequenas propriedades de 9,5 hectares, não produz praticamente nada. As 2 mil famílias assentadas (remanescentes de acampamentos) continuam morando em barracos cobertos de lona. A rede de energia de elétrica ainda não foi implantada. O benefício só deve chegar quando pelo menos metade das casas estiver pronta. Há algumas lavouras de subsistência e pequenas criações domésticas, que só ajudam a compor o cardápio diário. Para escapar da fome, muitos fazem bicos como diaristas em fazendas e usinas da região para garantir uma renda mínima. Vários assentados que trouxeram algumas cabeças de gado na expectativa de iniciar uma produção leiteira, tiveram que vender para “fazer” dinheiro ou abater os animais para consumo próprio.
Quem está experimentando esta situação - não produzir e perder o pouco que conseguiu acumular uma vida inteira - são assentados como o paranaense Valdevir Alves de Lima, um veterano de acampamentos. Desde 84 persegue o sonho de conseguir uma gleba para explorar a terra e desse trabalho tirar o seu sustento e da família. Hoje se arrepende de ter trocado os 25 hectares que tinha no assentamento Paiozinho (em Corumbá) pelos 9,5 hectares na Eldorado. Em Corumbá conseguiu com a renda obtida com a venda de leite, construir uma casa de alvenaria, formar um rebanho de 37 cabeças de gado. No assentamento em Sidrolândia, além de morar com a mulher e as três filhas num barraco precário, teve de se desfazer do gado para sobreviver. O pouco que conseguiu plantar - mandioca e milho (além de 400 pés de eucalipto) é usado no próprio consumo.
Na semana passada o único “conforto” que “seo” Valdevir e a família desfrutavam, a água encanada, foi cortado. A Enersul interrompeu o fornecimento de energia (e levou até o relógio) da bomba de um dos seis poços artesianos abertos no assentamento com os recursos do crédito de fomento (de R$ 4,8 mil em duas parcelas) que o Incra disponibilizar (em material) para cada assentado.
Situação parecida vive Claudionor Alves dos Santos, vizinho de Valdevir, que mora com a mulher e as duas filhas num barraco, enquanto o material prometido pelo Incra para a construção de um casa de 48 metros ou 74 metros quadrados, não chega. “Quando a chuva vem acompanhada de vento é um terror. O barraco balança como vara verde. O jeito é esconder debaixo da cama e rezar”, relata Claudionor que diante do aperto no orçamento, sete das 16 “vaquinhas” que levou para o sitio. “Fome ainda não passei, porque recebo o aluguel da casa que tenho em Campo Grande”.
As histórias mais ou menos se repetem entre os assentados. Maria de Fátima Lima, auxiliar de enfermagem na unidade de saúde instalada pela Prefeitura num dos prédios das antigas instalações da fazenda, experimentava que depois de 10 anos acampada, quando recebeu seu lote na Eldorado, pudesse ter uma vida menos sofrida. “Sai do barraco na beira da estrada, para um barraco dentro do assentamento”, onde está há dois anos junto com os filhos. Neste período conseguiu plantar feijão e milho. “Colhe o suficiente para o consumo de alguns meses”, explica. Seu depoimento é reforçado por seu colega de posto, Branda de Souza, também assentada. “Se não fosse o salário que recebo como contratada pela Prefeitura, estaria passando fome”, explica Branda, que até agora, sequer cercou seu lote.
A professora Cleide Aparecida - que dá na escola municipal que funciona dentro do assentamento - se cansou de esperar pela casa prometida pelo Incra. Ela e o marido fizeram um empréstimo de R$ 8 mil e construíram uma casa de três peças, com varanda e o banheiro. “Minha mãe com mais de 70 anos mora comigo. Não agüentava mais o desconforto do barraco“.
Ela se considera privilegiada. “Tem gente aqui que passa fome. Vez ou outra a gente faz uma coleta de alimento para ajudar algumas famílias que estão sem nada em casa”, informa Cleide.
