Conforme se tem observado das reportagens veiculadas pelos noticiários locais, um dos últimos temas geradores de controvérsia, no campo das relações de consumo, diz respeito à possibilidade, ou não, dos postos de combustíveis fixar preços distintos para o pagamento em dinheiro e cartão de crédito.

O tema que ora se propõe comentar, ainda que sumariamente, veio à lume em decorrência da propositura de uma ação judicial, por parte de alguns postos de combustíveis, colimando a autorização para realizar preços diferenciados para o pagamento do combustível em dinheiro e no cartão de crédito, fato este que não passou despercebido dos Órgãos de Defesa do Consumidor que, imediatamente, passaram a repreender tal pleito asseverando que a distinção de preços que ora se comenta incorre em ilegalidade, especialmente por violar o artigo 39, X, do Código de Defesa do Consumidor, porquanto vedado ao fornecedor de produtos “elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços”.
Infelizmente, o Código de Defesa do Consumidor – CDC, legislação de extrema e inegável valia à sociedade, tem sido objeto das mais temerárias e míopes interpretações, interpretações estas que partem, aparentemente, do pressuposto de que o CDC visa regular, ou melhor, favorecer “os consumidores” e não reger a relação de consumo em si, sendo que esta última abrange, obviamente, o direito dos consumidores e fornecedores.
Acontece que, o CDC não é diploma voltado e subserviente aos interesses dos consumidores, mas sim à regência da relação de consumo que, como já suscitado, envolve o consumidor e o fornecedor.
Tanto é verdade que, o próprio CDC, em seu artigo 4º, III, já preconiza que além da defesa dos interesses do consumidor, igualmente deverá ser tutelado os interesses dos fornecedores, bastando analisar que um dos princípios da Política Nacional das Relações de Consumo, que infelizmente nem sempre é lembrado pelos intérpretes da lei, é o princípio da “harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo”, sendo que este visa dar equilíbrio na relação jurídica existente entre os fornecedores e consumidores.
Pois bem, voltando ao tema enfocado, isto é, a possibilidade ou não do fornecedor estabelecer preços distintos para o pagamento em dinheiro e cartão de crédito, percebe-se que tal prática, uma vez analisado o CDC como diploma que rege o direito dos consumidores e fornecedores, em nada viola a legislação consumerista, muito menos o artigo 39, X, já transcrito.
O que é vedado ao fornecedor é o aumento, injustificado, do preço do produto/serviço. Todavia, como é de conhecimento comezinho, as administradoras de cartão de crédito cobram dos fornecedores em torno de 5% a 6% do valor da venda que, no caso do comércio de combustíveis, quase se equipara ao lucro que seria obtido pelo comerciante, fato este que, sem sombra de dúvidas, autoriza a exasperação do preço para vendas pagas com cartão de crédito.
Por conseqüência, no caso dos postos de combustíveis, a distinção de preços não se dá arbitrária ou injustificadamente (isto sim proibido pelo CDC), mas lastreada no desconto que é realizado pelas operadoras de cartão de crédito o que, por via oblíqua, faz com que o produto adquirido pelo consumidor que paga com cartão de crédito tenha um preço final mais alto do que aquele pago em dinheiro.
Por outro lado, o consumidor que opta pelo pagamento através do cartão de crédito, diferentemente do que ocorre com o que paga em dinheiro, não tem desfalque imediato em seu patrimônio, porquanto somente no vencimento de seu cartão de crédito é que deverá fraquear a compra anteriormente realizada, situação esta muito mais vantajosa do que o pagamento em dinheiro.
Desta maneira, conclui-se ser plenamente possível a distinção de preços, não incorrendo o fornecedor em violação ao CDC, cabendo ao consumidor, obviamente, optar entre a vantagem de um preço mais acessível (pagamento em dinheiro) e o benefício de não ter o desfalque imediato em seu patrimônio (pagamento com cartão de crédito) pagando, porém, um preço um pouco mais elevado do que o praticado na primeira forma de pagamento.
Contudo, evidentemente que caso haja diferença entre o preço cobrado para o pagamento em dinheiro e cartão de crédito, o fornecedor deverá afixar cartazes em seu estabelecimento comunicando o consumidor a respeito de tal distinção, respeitando assim o dever de informação constante do CDC.
Se assim não for tratado este tema, certamente os postos de combustíveis, ou deixarão de disponibilizar o pagamento através do cartão de crédito (e o fornecedor não é obrigado a disponibilizar este serviço) ou, ainda, passarão a cobrar preços mais altos, tanto para o pagamento em dinheiro, como para o pagamento em cartão de crédito, ocorrência esta que se observa em vários estabelecimentos.
O bom senso e a harmonia dos interesses da partes que figuram em uma relação jurídica, seja ela de qual natureza for (civil, consumerista, etc.), devem sempre imperar no momento de interpretação e aplicação do direito, sob pena de incorrer em um desserviço à sociedade.
(*)_ O autor é Advogado, Graduado em Direito pela Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal – UNIDERP-MS; Pós-graduado pela Esmagis – Escola Superior da Magistratura de Mato Grosso do Sul; Pós–graduando em Direito Civil, Registros Públicos e Direito do Consumidor – ESA/Fadisp e Professor de Direito Processual Civil e Teoria Geral do Processo na Universidade Anhanguera – Uniderp.
