
Sem esquecer do amor e legado do pai da dupla, o engenheiro Paulo César, a entrevista abaixo homenageia a advogada, amiga, chefe, esposa, filha, mas sobretudo mãe Jane, que faria 55 anos este mês (dia 31), em que se comemora o dia das mães.


A Crítica - Sua mãe veio de uma geração em que muitas mulheres não tinham o costume de investir tanto na qualificação profissional. O que acha que a levou a fazer isso com tanto afinco?
Milla Resina - Minha mãe veio de uma família de comerciantes. Minha avó desde muito jovem encontrou na costura e no comércio a forma de sustentar sozinha a casa e as filhas. Ela sempre disse que não importava a profissão que escolheria, se daria bem em qualquer uma. Isso porque ela sabia que o sucesso dela dependia tão e somente dela, ela sempre se doou ao máximo em tudo que fez.
Estudava para se superar e não superar aos outros, ela tinha muito prazer em conversar e expor suas opiniões e tinha muito orgulho de suas convicções.
Tinha uma vontade de “ser mais”, não de “ter mais”, então acredito que por isso escolheu o caminho do estudo, pois isso, ninguém nunca conseguiria tirar dela. O brilhantismo dela era só dela, uma conquista que vinha através de seus esforços e, assim, uma legião a seguia pois sabia que estava à frente de seu tempo.
Além de amar e se dedicar a cada nova oportunidade de estudar, conhecer novas pessoas, novos caminhos e novas oportunidades
Natália Resina : Embora poucas mulheres se dedicassem à profissão na época em que ela nasceu, minha mãe se destacou pelo interesse na leitura, em ajudar as pessoas e ter sua independência financeira. Isso sempre foi o foco dela.
Jornal A Crítica- Como mãe, qual o maior aprendizado que ela deixou para vocês? E como profissional?
Milla: Nossa mãe foi única. Todas as vezes em que sentávamos com amigos dela para conversar era sempre tema a forma como nos criava, sempre rotulados como “malucos”. Há uma história em que eu tinha meses de idade, mas ela me enviou de avião para a casa da minha avó. Isso de Cuiabá para Tupã, no interior paulista, para passar férias de um mês com minha tia, que tinha apenas 16 anos na época. Também não tinha completado dois anos quando meu pai me colocou em um riacho com pequena corredeira na Chapada dos Guimarães para minha mãe me pegar lá embaixo. Já maior, eu tinha 11 e minha irmã 7, fomos para uma viagem sozinhas para o Beto Carreiro/Oktoberfest/Blumenau e ficamos em um hotel por sete dias. No entanto, lógico que ela nos monitorava o tempo todo. Mas, com isso tudo, eles, meu pai e minha mãe, me ensinaram a ser responsável pelos meus atos, que não importa onde ou o que eu fizesse eles me amariam e que a nossa família sempre estaria presente. Nossos pais não nos agradavam com presentes, eles nos agradavam com momentos. Enquanto os amigos deixavam os filhos com babás eles nos levavam para os melhores restaurantes e nos ensinaram desde pequenos que não precisávamos chamar atenção fazendo coisas erradas, pois tínhamos a atenção deles sempre que precisasse.
Eu e minha irmã tivemos o privilégio de conviver com duas pessoas empreendedoras. Minha mãe era uma pessoa à frente de seu tempo. Em nossa casa, a conversa no almoço era sobre trabalho, dia a dia, problemas e como resolver esses problemas. Nossos pais discutiam diariamente os problemas e soluções da profissão e nós sempre presentes, atentas, e quando ficamos mais velhas passamos a fazer parte dessas conversas e a entender o mundo dos negócios muito cedo. O dinheiro em nossa casa sempre foi tratado com muito respeito, nós sabíamos de tudo o que estava se passando com eles. Não nos surpreendemos de quando os dois faleceram juntos. Nós sabíamos de quase tudo o que eles estavam envolvidos, sabíamos dos planos e melhor ainda, como nossa criação foi baseada em muito amor e carinho, quando eu e minha irmã viramos sócias por necessidade, encontramos uma na outra o suporte e o equilíbrio para que tudo caminhasse como deveria. Todos os dias, quando vamos tomar uma decisão, perguntamos uma para a outra : “como nossos pais agiriam com isso?”... e assim vamos seguindo da forma como acreditamos que eles nos criaram para seguir a vida.
Natalia: “Tenho sentimento de ser privilegiada por ter sido criada em uma união e em uma relação aberta, onde tudo era compartilhado. Embora houvesse grande dedicação ao trabalho e estudo, nunca senti falta de atenção e carinho pois ela estava sempre presente em nossas vidas e, com isso, passava a confiança necessária para nos tornamos independentes e acreditar em nós mesmas.
Além do que minha irmã falou tenho que destacar o que sempre ouvi da minha mãe "nunca trabalhe pelo dinheiro, faça aquilo que você goste e do melhor jeito possível que o dinheiro é consequência". Além disso, sempre ter ética em todas as nossas ações.
A Crítica - Sua mãe adorava viagens. É verdade que ela tinha planos de fazer uma em que visitasse o mundo todo?
Na realidade o sonho era do meu pai e ele tentou de todas as formas a companhia dela. No início, era de barco. Durante muito tempo nossas viagens envolviam barco. Todos nós fizemos aula para tirar ARAES, depois fizemos curso de mergulho, até que minha mãe deixou claro que não teria coragem. Então meu pai encontrou na aviação a possibilidade de viajar com ela pelo mundo. Vinha estudando com muito afinco, até que o acidente precoce aconteceu.
Mas o sonho da minha mãe era conhecer lugares, pessoas, culturas e estava sim ansiosa para dar volta ao mundo, pensaram até em tirar um ano inteiro para isso, mas como ela era apaixonada pelo seu trabalho não teve coragem de ficar tanto tempo fora.
A Crítica - Como vocês receberam a notícia do acidente de seus pais? Qual foi a última memória que ficou deles?
Milla - Eu estava trabalhando no Firulas, quando meu primo de Londrina me ligou perguntando sobre o horário que eles tinham saído e pedindo os dados do avião. Eu comecei a ir atrás de informação e quando consegui o número do avião ele já sabia do acidente mas não me contou. Liguei para a sócia dela que também não contou. Aí ligaram para meu marido e contaram. Ele, já desesperado, disse... “O avião dos seus pais caiu”. Mas entre cair e eles virem a falecer na cabeça de uma filha é um tanto quanto distante. Quando entrei no carro para ir para o escritório da minha mãe para mais informação liguei para minha irmã, que estava com o marido e disse da mesma forma: “o avião dos pais caiu”e ela teve a mesma reação “como assim?” E então fui até o escritório. Tivemos a certeza do falecimento depois de um tempo. E, desde então, estamos unidas e levando a vida como eles nos ensinaram e nos criaram, com os princípios que baseiam a nossa família muito enraizados.
Sobre a minha ultima memória deles: 14 dias antes do falecimento, foi meu aniversário. E ela queria fazer festa para mim e eu disse “mãe eu quero passar meu aniversário só com vocês e com a família da minha irmã”. No final, convidamos mais três casais que conviviam com a gente desde que me conheço por gente e que foram as pessoas que nos apoiaram e nos apoiam até hoje.
Mas memórias são o que não nos falta, pois vivemos intensamente todos os momentos que estávamos juntos. Nossa família sempre foi muito feliz na companhia um do outro.
A Crítica - Como reagiu em saber que tantas pessoas gostavam tanto dela? Você imaginava que ela era tão querida e admirada?
Milla - Eu não tinha dúvida disso. Na realidade, da mesma forma que nossa mãe era suporte para toda nossa família ela sempre foi a base de muita gente. Era mais do que advogada para a maioria de seus clientes, ela se envolvia para resolver os mínimos problemas de cada um. Ela era uma amiga incondicional de todos a sua volta, ela se interessava pela vida de cada um e tentava fazer o que estivesse ao seu alcance. Escutamos muitas histórias bonitas das pessoas que estavam próximas dela.
A Crítica - A sua profissão atual teve influência dela? Como ela lidava com a escolha da sua profissão e da sua irmã ?
Milla - Essa pergunta é a mais complicada (risos) Na verdade, nessa área eu sempre fui muito parecida com ela e minha irmã com meu pai. Mas eu queria ser veterinária e ela não concordava. Aí escolhi administração e ela não deixou. Até que ela disse “vamos trabalhar no meu escritório comigo para ver se você gosta”. Aí eu não tive dúvida, eu poderia escolher o que quisesse desde que fosse direito. Então, fiz Direito, estagiei com ela, fui para São Paulo trabalhar no escritório lá e fazer cursinho e nunca vi minha mãe mais feliz quando ela descobriu que eu tinha tirado 9,8 na prova da OAB e que dali em diante eu seria uma advogada. Mas sempre conversamos sobre montar o Firulas. Eu abandonei a advocacia e fui muito feliz na escolha do Firula´s, que me completou. Ali, pude ser mais do que advogada, pude ser empreendedora. Então, no final, acho que ela ficou mais orgulhosa de mim como Empreendedora do que ficaria como advogada.
Natalia : Por ser mais nova sempre fui privilegiada. Meus pais sempre me deram a melhor educação e oportunidades tanto no Brasil como no exterior, sempre me apoiaram.
A Crítica - Ela é natural de Tupã – SP. Como veio para Campo Grande ?
Milla- Quando meus pais se casaram, meu pai conseguiu um emprego em Cuiabá. Ele era recém-formado em Engenharia e ela tinha cursinho de pedagogia e foi dar aulas, chegou a ser diretora de uma escola. Até que meu pai conseguiu emprego em Campo Grande. Ele veio primeiro, depois ela veio. Ela trabalhou na Recapal. O seu primeiro patrão foi depois também seu primeiro cliente. Ela se tornou advogada depois que mudou para Campo Grande. Ela nunca reprovou em nenhuma matéria, mas como transferiu várias vezes a faculdade levou 7 anos para se formar pois mudava a grade curricular.
A Crítica- Você e sua irmã pensam em dar continuidade a algum projeto dela?
Milla - Na realidade hoje trabalhamos na empresa criada por ela e acho que o maior projeto que ela poderia ter nos deixado é o de viver intensamente, trabalhar com paixão e ser feliz.
A Crítica- O que você faz com sua filha que você aprendeu com sua mãe ?
Nossa, tantas coisas. Na verdade, a todo momento trago para os dias de hoje o que ela foi um dia. Tento dar mais liberdade para minha filha, apesar de só ter quatro anos. Deixo ela decidir aquilo que está ao seu alcance e aguentar as consequências. E faço dos finais de semanas momentos para serem lembrados.
A Crítica - Houve algo que você se arrepende de não ter dito, feito ou falado para a sua mãe?
Milla - Na realidade, o que mais eu me orgulho é de ter dito para eles tudo aquilo que pensava sobre tudo. Sempre disse e demonstrei o tamanho do meu amor, escrevia cartas com frequência, enviava cartão de natal, dizia no pé do ouvido que amava, sempre fui muito franca e sempre disse Eu Amo Você
A Crítica- E por fim, uma dica para mães e filhos neste dia das Mães:
Aproveite o privilégio de ter a sua mãe ao seu lado. E, neste dia, não dê presente, dê um momento que ficará na memória para os dois, para a vida inteira.


