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ECONOMIA

'Reforma exige mais dos mais ricos', diz Bruno Ottoni

18 maio 2017 - 11h36
Comper

Especialista em mercado de trabalho, o economista Bruno Ottoni, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), avalia que, no geral, a proposta de reforma da Previdência, mesmo após as mudanças na comissão especial da Câmara dos Deputados, afeta mais os mais ricos.

O pesquisador questiona, porém, se a Previdência deveria ser usada para corrigir desigualdades do mercado de trabalho. Para Ottoni, a reforma está na direção correta, mesmo que não resolva de forma definitiva o desequilíbrio nas contas públicas.

A reforma da Previdência poderia ser mais focada na redução das desigualdades sociais?

De fato, isso é uma crítica mais estruturada à reforma, levantada pelo Marcelo Medeiros (professor da Universidade de Brasília). Concordo com alguns pontos, mas queria separar alguns elementos. Primeiro, é preciso separar a validade dessa crítica com relação à primeira proposta e à proposta atual. O fato de municípios e Estados terem saído da proposta é uma perda grande em termos de efeitos de redução de desigualdade, porque temos as aposentadorias dos indivíduos ricos no setor público, ainda em idade jovem, e com salários integrais. Essa crítica é superpertinente, mas essa não era a intenção inicial do governo.

A reforma amplia as desigualdades?

No geral, a proposta do governo reduz ou mantém as desigualdades. A proposta exige mais dos mais ricos. Ela exige de todo mundo, porque estamos em um momento extremamente delicado do ponto de vista fiscal, porém, exige mais dos mais ricos. Em termos de tempo de trabalho extra para a aposentadoria, o aumento de período de trabalho vai ser muito maior para os ricos, que hoje se aposentam por tempo de contribuição.

Que medida atinge os pobres?

São dois pontos que prejudicam mais os pobres: o mínimo de 25 anos de contribuição, que existia na proposta original e permanece para os trabalhadores urbanos, e a idade mínima do BPC (Benefício de Prestação Continuada, pago a deficientes e a idosos com renda familiar per capita abaixo de um quarto do salário mínimo), que na proposta original era 70 e na nova caiu para 68. Hoje, é 65. Essas medidas foram incluídas na reforma da Previdência com o objetivo de incentivar as pessoas a contribuírem, ampliando as receitas, e também para dificultar a aposentadoria de pessoas que não conseguiram contribuir.

Seria possível fazer diferente?

Na prática, as pessoas que se aposentam por idade não vão conseguir atender o tempo mínimo de contribuição de 25 anos. Muitos dos pobres, que hoje são informais, vão migrar para o BPC. Essa pessoa se importa menos em perder um pouco da renda, se pudesse se aposentar mais cedo. São pessoas muito pobres. E o custo de vida delas é muito baixo. Por que não penalizar um pouco no valor do benefício, mas permitir que todo mundo se aposente aos 65 anos? Só que eu adotaria a regra antiga: 51%, mais um ponto porcentual por ano de contribuição. E deixaria a pessoa se aposentar com qualquer tempo de contribuição. Se a pessoa contribuiu zero ano, vai se aposentar com 51% do salário-benefício. Minha proposta era acabar com o piso do salário mínimo para esses benefícios. Passa a ser um benefício assistencial, um BPC transformado. Mas, politicamente, não é viável.

Mesmo com a formalização recente do mercado de trabalho, a regra dos 25 anos de contribuição será tão difícil assim?

As reformas trabalhistas tocadas pelo governo podem, sim, auxiliar no sentido do aumento da formalização, mas acho pouco provável que a gente chegue a níveis tão elevados de formalização a ponto de esses 25 anos não serem uma restrição para os mais pobres. Para garantir que 80% da população conseguisse atingir esses 25 anos, teríamos de garantir 80% de formalização por 25 anos. Mesmo que se avance, ainda teremos os períodos em que não tivemos 80% da população formalizada. A formalização teria de durar muitos anos para que isso deixasse de ser um problema.

Faz sentido haver diferença na idade mínima entre homens e mulheres?

Se fosse para corrigir as injustiças que acontecem com a mulher no mercado de trabalho via Previdência, o mais apropriado seria corrigir via tempo de contribuição.

A Previdência deveria corrigir essas injustiças?

Não. Há alguma evidência de que a mulher recebe menos, em média, porque há preconceito, mas existe evidência também de que grande parte da diferença se deve ao período que a mulher passa fora do mercado de trabalho em função da maternidade. Alguns países têm tentado corrigir essa falha, obrigando o homem a passar o mesmo tempo que a mulher na licença-maternidade.

No geral, a proposta é boa?

A reforma é extremamente positiva, vai na direção certa. Pelo menos, resolve parte do problema por alguns anos. Vai mitigar os efeitos fiscais negativos que a Previdência poderia ter sobre a situação do governo. Agora, fica o dever de casa. Provavelmente, teremos de voltar a tratar desse tema num futuro próximo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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