A curiosidade sobre um nome incomum foi o ponto de partida para um dos projetos mais instigantes da nova geração de pesquisadores culturais do Pantanal. O escritor e pesquisador Yuri Zacra conversou com o Giro Estadual de Notícias, nesta sexta-feira (23), e compartilhou os bastidores de sua obra mais recente, dedicada à viola de cocho, instrumento típico do centro-oeste brasileiro. Mais do que um livro sobre música, a obra é uma jornada pelo território, pela linguagem simbólica da madeira e pela herança cultural invisível das águas.
“Sempre me causou certa inquietação essa combinação entre 'viola' e 'cocho'. O termo 'cocho', para mim, estava mais ligado à pecuária. Mas os músicos, percebi depois, não vinham do campo — e sim das regiões ribeirinhas. Foi quando decidi mergulhar em uma pesquisa etimológica e cultural.”
Ao longo de quatro anos de pesquisa, Zacra encontrou na materialidade da viola de cocho — esculpida em madeira leve e flutuante — conexões com as canoas tradicionais, os utensílios do dia a dia pantaneiro e até mesmo com os modos de adaptação à planície alagável.
“A viola de cocho é feita com madeira chamada Chimbuvo, que flutua. Isso me levou a relacioná-la com as canoas. Essa materialidade foi ganhando densidade simbólica até virar uma geometria do território. Tudo remete ao côncavo e ao convexo — oco e cheio, barco e boi-carro.”
Viola de cocho como metáfora ecológica e ancestral - A ideia de que os instrumentos não apenas produzem sons, mas carregam memórias ecológicas e sociais, atravessa o livro de Zacra. Para ele, a viola de cocho representa formas de adaptação humana ao Pantanal, seja por meio das montarias indígenas elevadas ou das embarcações artesanais que dominam os rios.
Livro de Yuri Zacra ressignifica a viola de cocho como símbolo ecológico e cultural do Pantanal brasileiro.
“Quis encerrar a obra com uma dimensão quase ecológica, um olhar sobre como os instrumentos, o trabalho e o território se entrelaçam. A viola deixa de ser só um objeto musical e passa a ser um símbolo que conduz o leitor por uma viagem cultural.”
Inicialmente centrado na etimologia e no objeto em si, o projeto foi sendo expandido pela força do próprio território. Zacra admite que a sociedade pantaneira “invadiu” o livro, com suas contradições, invisibilidades e riquezas culturais.
“Percebi que não poderia falar da viola de cocho sem falar do Pantanal. O instrumento virou ponto de partida para algo maior — uma investigação da nossa formação nacional, com raízes indígenas, influências portuguesas e até vestígios da presença negra.”
A pesquisa de Zacra o levou a locais históricos como Porto Feliz e aos arquivos do Museu do Ipiranga e do Museu Republicano de Itu, onde descobriu registros de canoas coloniais feitas com a mesma madeira da viola. Uma conexão que une séculos de tradição artesanal.
“Descobri uma canoa arqueológica submersa feita da mesma madeira usada nas violas. Essas práticas têm continuidade desde os indígenas até os luso-brasileiros, e isso não estava nos meus planos iniciais. Foi uma surpresa reveladora.”
A obra foi viabilizada com recursos do Fundo de Investimentos Culturais (FIC) da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul. Zacra destaca a importância do edital para tirar projetos culturais do papel.
“Esse livro só foi possível graças ao edital. Dentro da Fundação, brincavam que era o 'livro do buraco', pela proposta ousada. Mas acreditaram no projeto e me apoiaram. Serei eternamente grato.”
Uma obra viva e em diálogo com o público - Mais que uma publicação, o livro se tornou uma ferramenta de encontros. Yuri vende os exemplares pelo Instagram, onde também compartilha vivências e percorre eventos culturais levando sua pesquisa ao público.
“O livro está à venda por R$ 55 na minha página no Instagram. Faço envios para todo o Brasil e estou sempre aberto ao diálogo — quero ouvir quem leu, saber o que acharam, trocar ideias. É uma relação direta e afetiva com o leitor.”
Zacra faz questão de reconhecer nomes que já trabalham pela valorização da viola de cocho, como os professores Abel Santos e Roberto Corrêa, além de grupos como o Chipa, que exploram vertentes contemporâneas da música tradicional.
“Todo instrumento criado pelo engenho humano é completo em si. Um dó na viola de cocho é o mesmo dó de um piano. A música é uma linguagem universal — e a viola é um vetor de identidade regional.", finaliza.
Sintonize o Giro Estadual de Notícias, segunda a sexta, das 07h30 às 08h30, pelo acritica.net e para as seguintes rádios de MS:
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