Da Redação | 27 de dezembro de 2025 - 08h20

"Cooperativas de crédito sustentam economias inteiras em MS"

O presidente da Sicredi União MS/TO e Oeste da Bahia destaca o papel das cooperativas de crédito na economia de Mato Grosso do Sul

CELSO RAMOS RÉGIS
O presidente da Sicredi União MS/TO e Oeste da Bahia, Celso Ramos Régis - (Foto: Williams Souza)

O presidente da Sicredi União MS/TO e Oeste da Bahia, Celso Ramos Régis, faz um balanço da força do cooperativismo de crédito em Mato Grosso do Sul e explica por que, em algumas cidades, a economia praticamente depende da presença das cooperativas.

 Ele detalha as estratégias adotadas para apoiar associados em um ambiente de juros elevados e custos crescentes, comenta iniciativas de educação financeira voltadas especialmente aos mais vulneráveis e reforça que as cooperativas “constroem um mundo melhor”.  Confira a entrevista na íntegra:

A Crítica: Presidente, ao longo dos últimos anos, como o senhor analisa o cenário do cooperativismo, em especial o de crédito, em Mato Grosso do Sul?

Celso Ramos: É um prazer enorme falar sobre o cooperativismo sul-mato-grossense e sobre a nossa trajetória no Sicredi.

A nossa cooperativa é a cooperativa anfitriã das cooperativas de crédito no Estado. E, quando falamos de cooperativismo de forma mais ampla, a anfitriã é uma cooperativa aqui de Campo Grande.

O cooperativismo não se limita ao crédito, é um movimento muito mais amplo. Vindo pela base do agronegócio, que é a principal economia do nosso Estado – e praticamente do nosso país – o cooperativismo permeia todas as atividades econômicas: está presente na saúde, no transporte, na infraestrutura, no crédito, como mencionamos, e especialmente no agronegócio sul-mato-grossense.

Mais da metade, cerca de dois terços, algo em torno de 70% do grão produzido no agro sul-mato-grossense passa por um ente cooperativo. Seja no financiamento – onde entram as cooperativas de crédito – seja na comercialização ou na busca de insumos, pelas cooperativas do agronegócio.

Na suinocultura, por exemplo, temos um conglomerado de cooperativas no norte do Estado, em São Gabriel, que é muito forte. Na área do esmagamento de soja, também há cooperativas atuando, inclusive vindas de outros Estados, como o Paraná.

E existem cidades em que, se retirarmos o empreendimento cooperativo, a economia praticamente para. É o caso de Naviraí, da região de Dourados, de Maracaju. São regiões em que a força da cooperação, a força das pessoas se unirem nesse modelo de negócio que traz resultado direto para quem participa, tem sido extraordinária.

No crédito, especificamente, Mato Grosso do Sul tem experimentado, nos últimos 15 anos, um crescimento extraordinário das cooperativas de crédito – não apenas do Sicredi.

A Crítica: Quais são hoje os principais sistemas de cooperativas de crédito no Brasil e como se posiciona a Sicredi União MS/TO e Oeste da Bahia nesse cenário?

Celso Ramos: Hoje temos, no Brasil, cinco grandes sistemas de cooperativas de crédito, cada um com sua história e origem em determinado nicho. Entre eles estão Sicredi, Sicoob, Cresol, Uniprime e Unicred.

Alguns surgiram a partir da união de médicos, outros de comerciantes – como é o caso de sistemas que nasceram em Minas Gerais – e o Sicredi, que é o pioneiro, o mais antigo no Brasil, completa agora, no dia 28 de dezembro, 123 anos de história.

A cooperativa da qual sou presidente, a Sicredi União MS/TO e Oeste da Bahia, tem essa área de atuação definida conforme normas do Banco Central e é a mais antiga do Estado, com 38 anos. Já o Sicredi, como sistema, nasceu no Rio Grande do Sul e completa 123 anos.

Se não houvesse credibilidade e se não houvesse resultado para quem participa, uma instituição não duraria tanto tempo. Isso vale para o Sicredi e para o próprio cooperativismo. Instituições que atravessam décadas mostram, na prática, que geram bons resultados para os seus associados.

A Crítica: Em 2025, o Brasil conviveu com juros altos e custos crescentes. Como a Sicredi União MS/TO e Oeste da Bahia atuou, no Estado, para apoiar os associados nesse cenário? Houve políticas de crédito diferenciadas?

Celso Ramos: Os desafios que enfrentamos nos últimos dois anos foram – e continuam sendo – muito grandes. Eles avançam para 2026, com uma perspectiva ainda de algumas restrições.

Com juros nesse patamar, torna-se muito difícil para um tomador, especialmente para investimento, buscar recursos no mercado, seja qual for a instituição financeira, cooperativa ou não.

O cooperativismo, porém, tem algo muito diferente dos demais players do mercado financeiro. Todos são importantes, os bancos têm sua natureza de buscar lucro, mas as cooperativas têm outra lógica: são organizações de pessoas, não de capital.

No Brasil, temos cerca de 800 cooperativas de crédito. No caso do Sicredi aqui no Estado, são quatro cooperativas, cada uma com sua gestão, com seu jeito de fazer. Eu tenho o meu estilo, outros presidentes têm os seus. Mas a linha estratégica é sempre a mesma: priorizar o associado, o cooperado. É para ele que trabalhamos o ano inteiro.

As dificuldades só foram vencidas porque enfrentamos tudo em conjunto. Esse é o grande negócio do cooperativismo, da cooperação. Juntos, podemos ser muito mais fortes e muito melhores.

No Sicredi, em especial, buscamos recursos externos – o que chamamos de moeda estrangeira – para financiar lavouras, insumos e a comercialização dos produtos. Buscamos também recursos de fundos constitucionais, como o FCO, em que o Sicredi tem participação importante, além de linhas de crédito oficiais, sempre prezando pela qualidade.

O ponto central é: quem é associado ao Sicredi, em qualquer cidade onde estamos presentes, encontra orientação. E essa orientação faz toda a diferença, porque nem sempre dizer “sim” a uma operação de crédito é a melhor solução.

O bolso é a parte mais sensível quando se fala em dinheiro. As pessoas têm muito cuidado com ele, mas às vezes, por desconhecimento, acabam assumindo operações que podem comprometer seu futuro.

Nossos colaboradores de linha de frente são extremamente capacitados. Neste ano, fizemos um trabalho muito forte na área de gestão de pessoas, a partir de diretrizes do nosso sistema em Porto Alegre. É um trabalho organizado e padronizado no Brasil inteiro. As equipes foram capacitadas para atender o associado, no campo e na cidade, da melhor forma, ajudando a encontrar uma condição sustentável, sem colocar o negócio – pequeno, médio ou grande – em risco.

Esse é o papel do Sicredi e das cooperativas de crédito: buscar redução de custos, aproveitar programas de governo, desenvolver programas internos e, sobretudo, cuidar de pessoas.

Quero destacar também o trabalho dos nossos diretores – Guilherme, Lucélia e Flávio – na construção de um planejamento voltado para cuidar do nosso público interno e, principalmente, do associado, ajudando a superar esses obstáculos.

Hoje, praticamente todos os municípios do Estado contam com presença do Sicredi. Onde ainda não há agência, há o planejamento para garantir alguma forma de atendimento. O associado, na prática, tem acesso ao sistema em 100% do território, com alguém preparado para orientá-lo.

A Crítica: Um levantamento recente do Serasa mostra que quase metade da população de Mato Grosso do Sul está endividada. Qual é o papel do Sicredi quando se fala em educação financeira e como isso impacta a saúde financeira dos associados?

Celso Ramos: Educação financeira é um eixo central da nossa atuação. É um tema incentivado pelo Banco Central, o órgão regulador do sistema financeiro, para que possamos cuidar melhor do cidadão.

Falamos de boas práticas de gestão não só da vida empresarial, mas também da vida doméstica, da vida do trabalhador. É algo muito simples: se eu ganho mil e gasto mil e cem, vou ter problema na contabilidade pessoal.

Fim de ano é sempre um momento propício para refletir sobre isso. Nós, no Sicredi, temos diversos programas de educação financeira, começando nas escolas. A ideia é ensinar desde cedo, para que, quando esse jovem se tornar adulto, já tenha noção básica dessa conta que eu mencionei: a conta tem que ser positiva.

Se a pessoa ganha mil e gasta 900, está dentro de casa. Se ganha mil e gasta 1.100, vai se enrolar. Em pouco tempo, isso vira uma bola de neve.

Hoje usamos muito cartão, por exemplo. O cartão é uma excelente ferramenta para comprar e pagar depois. Mas é preciso responsabilidade. Eu sempre digo: tudo o que você tem que pagar hoje, não deixe para amanhã. E tudo o que você tem que pagar amanhã, não antecipe para hoje. Pague no vencimento.

Se a pessoa entra no financiamento do cartão, pagando só o mínimo, em três meses – 90 dias – ela está enrolada, com a taxa de juros atual. É uma taxa muito alta, impraticável, que acaba favorecendo apenas quem vem ao Brasil para aplicar recursos.

O investidor que está lá fora, ganhando 2% ou 3%, vem para cá porque aqui o governo paga 15%. É ótimo para quem aplica, por isso o Brasil está cheio de dólares. Nossas contas de mercado, de bolsa, têm recebido muitos recursos estrangeiros.

Já para a população endividada, o cenário é bem diferente. Por isso trabalhamos fortemente a educação financeira. Dentro do nosso quadro de associados, estratificamos quem está mais vulnerável. É esse grupo que precisa de mais cuidado.

São pessoas com menos informação, menor escolaridade, muitas vezes pequenos comerciantes – o dono da quitanda, do empório, do bar da esquina. Esse é um público com o qual as cooperativas, tradicionalmente, se envolvem muito.

Os maiores têm mais acesso a consultorias, advogados, assessorias. O pequeno, não. E é aí que o cooperativismo mostra sua força, oferecendo orientação e proximidade.

Recentemente, estivemos em regiões como Dois Irmãos, Miranda e outras localidades, realizando trabalhos com nossas agências. Fizemos reuniões com comerciantes, associações comerciais, sindicatos rurais. A satisfação de ver as pessoas entendendo melhor o que está acontecendo no mercado financeiro é enorme.

É um momento que exige muita prudência. O próprio Banco Central trabalha com a ideia de classificação de risco de cada operação. Muitos profissionais do mercado conhecem a Resolução 4.966, que trata exatamente da classificação de risco de cada cliente, de cada contrato.

Desde 1º de janeiro de 2025, o Brasil passou a integrar um grupo seleto de países em que a classificação de risco é feita pelo comportamento do tomador. Isso significa que, ao longo do tempo, se a pessoa tem um bom comportamento de pagamento, o risco tende a cair.

Com isso, a instituição financeira passa a ter condições de reduzir a taxa de juros. Uma das maiores componentes da taxa é justamente o risco. Quando o risco é alto, a taxa sobe. Quando o risco é baixo, a taxa pode ser reduzida. É uma relação diretamente proporcional.

Isso é matemática financeira, é educação financeira aplicada. E nós temos trabalhado muito forte nesse campo, inclusive com reconhecimento.

A Crítica: Olhando para frente, que mensagem o senhor deixa para os associados e para a população sobre o papel do cooperativismo e as perspectivas para 2026?

Celso Ramos: Em primeiro lugar, quero agradecer o espaço do jornal A Crítica para compartilhar um pouco do que estamos fazendo no Sicredi e no cooperativismo de crédito. É importante prestar contas à sociedade.

Nós não podemos perder a esperança. Eu tenho repetido uma mensagem do Mário Sérgio Cortella: precisamos conjugar o verbo esperança por “esperançar” e não por “esperar”. Não adianta esperar as coisas acontecerem, temos de agir.

Com cooperação, com pessoas unidas em torno de um propósito, conseguimos avançar mesmo em cenários difíceis.

As Nações Unidas estabeleceram um ano internacional das cooperativas. Quando a ONU escolhe um período para celebrar as cooperativas, está dizendo que esse modelo de fazer negócios é bom, é relevante para o mundo.

E há uma frase muito bonita que foi construída nesse contexto: “cooperativas constroem um mundo melhor”. É nessa linha que nós trabalhamos e é nessa linha que eu acredito.

Desejo que 2026 seja um ano melhor, com mais equilíbrio, mais responsabilidade financeira e mais cooperação. Tenho certeza de que, com o engajamento de todos, o cooperativismo seguirá sendo um instrumento poderoso para o desenvolvimento econômico e social, em Mato Grosso do Sul e em todo o Brasil.