Agência Brasil | 25 de dezembro de 2025 - 10h00

Quilombo Mesquita tem território ampliado em 80% após reconhecimento oficial do Incra

Comunidade histórica de Goiás celebra conquista de 4,1 mil hectares como reparação e prepara Festa do Marmelo com orgulho e resistência

DIREITOS QUILOMBOLAS
Comunidade Mesquita (GO) celebra reconhecimento de 4,1 mil ha como território quilombola e prepara Festa do Marmelo em janeiro. - (Foto:Marcelo Camargo/Agência Brasil)

 

 

A comunidade quilombola Mesquita, localizada no município de Cidade Ocidental (GO), encerra 2025 com uma das mais importantes vitórias de sua história. Após mais de dois séculos de resistência e luta por seus direitos, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) reconheceu oficialmente, no último dia 19, que o território tradicional da comunidade corresponde a uma área de 4,1 mil hectares – cerca de 80% maior do que o espaço atualmente ocupado.

A decisão foi recebida com alívio e esperança pelas cerca de 1,1 mil famílias quilombolas – mais de duas mil pessoas – que vivem na região. O reconhecimento do território representa um avanço fundamental no processo de reparação histórica e na proteção dos modos de vida tradicionais da comunidade, que se prepara agora para a próxima etapa do processo: a desintrusão de ocupantes irregulares da terra, incluindo fazendeiros ligados à monocultura da soja.

O reconhecimento da área é resultado de um longo trabalho de pesquisa e mobilização comunitária, com base em estudos antropológicos que comprovaram o vínculo histórico dos descendentes de escravizados com o território. Segundo o Incra, a comunidade Mesquita teve papel fundamental durante a construção de Brasília, fornecendo mão de obra, hospedagens e alimentos em um momento em que a produção regional era escassa.

Além do reconhecimento da ancestralidade, a decisão também responde ao contexto atual de conflito agrário vivido por Mesquita. “Isto reduziu o acesso dos quilombolas a áreas de plantio, de morada e à interrupção de caminhos que tradicionalmente cortam o território”, explicou Maria Celina, chefe da Divisão de Territórios Quilombolas do Incra no Distrito Federal e Entorno.

Já a superintendente regional do Incra, Claudia Farinha, destacou que o reconhecimento "assegura o direito à terra ancestral e protege as famílias da especulação imobiliária".

A conquista do território tradicional será celebrada em grande estilo: a comunidade prepara uma edição especial da tradicional Festa do Marmelo para o próximo dia 11 de janeiro. O evento, que tem o fruto como símbolo de resistência e fonte de renda, será também um ato de afirmação da identidade quilombola e da luta pela permanência no território.

“Vai ser um momento para a gente comemorar essa vitória. A Festa do Marmelo é muito simbólica, representa nossa resistência, nossa ligação com a terra e a esperança de um futuro melhor”, afirmou Walisson Braga, liderança jovem quilombola da comunidade.

Braga, que há anos participa ativamente das mobilizações pela regularização do território, explicou que o desmatamento da área e a pressão dos grileiros forçaram muitas famílias a se afastarem de suas raízes. “Esperamos que o reconhecimento das terras possa estimular que a comunidade volte a trabalhar na agricultura. Muita gente teve que sair para trabalhar em subempregos longe de casa”, disse.

Além do impacto social e cultural, a decisão do Incra também representa uma vitória ambiental. A região do Mesquita está inserida no Cerrado, um dos biomas mais ameaçados do país. Segundo a comunidade, os grileiros responsáveis por ocupações irregulares vinham promovendo desmatamento intensivo para implantação de lavouras de soja.

Com a retomada da posse pela comunidade tradicional, há expectativa de frear o avanço das derrubadas e fortalecer práticas sustentáveis de manejo da terra.

“O modo de vida da nossa comunidade é de respeito à natureza. A gente vive da terra, mas de forma equilibrada. Com a terra reconhecida, temos como voltar a cuidar do nosso território do jeito certo”, afirmou Walisson.

A publicação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) de Mesquita representa, segundo o próprio Incra, um marco no processo de reparação histórica dos descendentes de africanos escravizados. O documento reconhece formalmente que os territórios tradicionais quilombolas têm direito à proteção do Estado, conforme prevê a Constituição Federal.

"A publicação representa um importante passo para o processo de reparação histórica devida aos descendentes de escravizados, sobretudo aqueles que sofreram e ainda sofrem com a grilagem de suas terras", destacou a nota divulgada pelo Incra.

Além disso, a ampliação do território cria novas perspectivas para o futuro da comunidade. A expectativa é de que mais famílias possam retomar atividades agroecológicas, fortalecer sua autonomia econômica e reconstituir o modo de vida tradicional que foi, durante décadas, ameaçado.

A decisão sobre o Quilombo Mesquita representa não apenas o reconhecimento de um direito, mas também a valorização de uma história construída com resistência, cultura e trabalho coletivo. Em 2026, a comunidade inicia um novo capítulo de sua trajetória – com os pés fincados na terra ancestral e o olhar voltado para o futuro.