Iury de Oliveira | 23 de dezembro de 2025 - 10h50

Crise nos Correios atrasa 30% das entregas às vésperas do Natal

Queda na qualidade do serviço pressiona comércio eletrônico, impulsiona transportadoras privadas e pode afetar Campo Grande com possível adesão à greve

ENTREGAS
Crise financeira, greves e aumento da demanda de fim de ano levaram a atrasos generalizados nas entregas dos Correios em todo o país - (Foto: Divulgação)

A poucos dias do Natal, clientes dos Correios em todo o país enfrentam atrasos generalizados nas entregas de encomendas. Levantamentos internos da estatal mostram que, em dezembro, o índice de objetos entregues dentro do prazo caiu para uma faixa entre 50% e 70%, a depender da região. Na prática, ao menos 30% das encomendas não estão chegando no tempo prometido, no pior desempenho do ano.

Em Campo Grande, a situação pode se agravar. Os funcionários dos Correios na Capital decidem hoje, em assembleia marcada para as 19h, se aderem à paralisação nacional convocada pela categoria.

No início de 2025, o cenário era outro. Em janeiro, os Correios registravam média nacional de 97,7% das encomendas entregues no prazo. Ao longo do ano, porém, o índice começou a recuar, puxado por problemas financeiros, dívidas com fornecedores e aumento dos gargalos logísticos.

Em dezembro, considerando dados até o dia 6, o percentual de entregas dentro do prazo caiu para 76,63%. Na leitura diária daquele mesmo dia, o número foi ainda pior: 68,15%, bem abaixo da meta oficial da própria empresa, que é de 96%.

Não há dados consolidados por Estado, mas as informações internas apontam para variação regional entre 50% e 70% de entregas no prazo, confirmando um quadro de atrasos espalhado por todo o país.

A deterioração do serviço ganhou intensidade nas últimas semanas com a paralisação de funcionários em estados estratégicos, como Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. As greves foram deflagradas por sindicatos regionais em meio às negociações do acordo coletivo de trabalho.

Esses estados concentram boa parte do fluxo de mercadorias do comércio eletrônico. Com equipes paradas em centros de triagem e distribuição importantes, os gargalos se ampliaram justamente no período de maior demanda do ano, quando os prazos são mais apertados e o volume de encomendas dispara.

A piora na qualidade do serviço levou muitos lojistas a buscar alternativas às pressas. Grandes marketplaces costumam contar com estruturas próprias de logística ou contratos diversificados com várias transportadoras. Já pequenos e médios empreendedores, em geral, dependem mais diretamente dos Correios para escoar suas vendas.

Com o aumento de atrasos e incertezas, houve uma migração acelerada para empresas privadas. Na Jadlog, o número de novos contratos cresceu 25% na última semana, mesmo após descontado o movimento sazonal típico de fim de ano. Na Loggi, o volume de envios feitos por pequenas e médias empresas avançou 54% apenas neste mês, sinal de que parte dos clientes da estatal está trocando de operador logístico.

Especialistas em logística avaliam que, no Natal, o impacto é ainda mais sensível: cresce o volume de compras, os prazos ficam mais curtos e a tolerância do consumidor a atrasos praticamente zera. A consequência tende a ser desgaste adicional da imagem dos Correios e perda de participação no mercado. Estimativas do setor indicam que a estatal já recuou para algo entre 40% e 50% do segmento de entregas.

Mesmo em meio à crise, os Correios mantêm presença mais forte em áreas de menor escala econômica, especialmente em municípios do interior, onde a operação privada muitas vezes é pouco rentável ou até deficitária.

Nos grandes centros urbanos, a realidade é diferente: empresas privadas de logística vêm ganhando cada vez mais espaço, aproveitando a combinação de demanda elevada, concentração populacional e maior poder de consumo. Ainda assim, em muitas regiões afastadas, a estatal continua sendo o único canal viável para envio e recebimento de encomendas.

Dentro da estatal, a avaliação é de que a recuperação da qualidade do serviço passa, primeiro, pelo saneamento financeiro. O caixa hoje é negativo, e o pagamento de dívidas atrasadas é apontado como condição básica para destravar investimentos e reorganizar a operação.

Para isso, os Correios negociam um empréstimo de R$ 12 bilhões com um consórcio de bancos públicos e privados. A expectativa é de liberação de R$ 10 bilhões ainda até o fim do ano. A operação já recebeu aval da União, mas ainda depende da conclusão das discussões contratuais.

Esses recursos devem sustentar um plano de reestruturação que inclui medidas consideradas duras internamente, como um programa de demissão voluntária para cerca de 15 mil funcionários e o fechamento de aproximadamente mil agências em todo o país. Também está prevista a ampliação de parcerias com o setor privado para diversificar receitas e reduzir a dependência do serviço tradicional de encomendas.

O anúncio oficial dessas ações, que estava previsto para este fim de ano, foi adiado justamente à espera da formalização do empréstimo. Enquanto o pacote não sai do papel, a empresa convive com atraso nas entregas, pressão dos clientes, greve em estados estratégicos e risco de perder ainda mais espaço para a concorrência privada em um dos períodos mais importantes do calendário do varejo.