Lula cobra coragem da União Europeia para destravar acordo com Mercosul
Na cúpula do Mercosul em Foz do Iguaçu, presidente cita negociações com Japão e Vietnã e ouve críticas de Milei ao bloco
MERCOSULO presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a cobrar uma definição da União Europeia sobre o acordo com o Mercosul durante a 67ª Cúpula do bloco, realizada no sábado, 20, em Foz do Iguaçu (PR). Diante da dificuldade em fechar o tratado com os europeus, Lula afirmou que os países sul-americanos já buscam outras frentes de negociação, como Japão e Vietnã, e pediu “coragem” dos líderes europeus para concluir um processo que, segundo ele, se arrasta há mais de duas décadas.
Em seu discurso na plenária do Mercosul, Lula lembrou que as conversas com a União Europeia se prolongam há 26 anos e responsabilizou a falta de decisão política no bloco europeu pelo impasse.
“Infelizmente, a Europa ainda não se decidiu. Líderes europeus pediram tempo adicional para decidir sobre acordo”, afirmou o presidente brasileiro, ao mencionar os últimos movimentos em Bruxelas.
Lula também elevou o tom ao apelo aos chefes de governo do outro lado do Atlântico: “Sem vontade política e coragem por parte dos líderes, não será possível concluir negociações que se arrastam há 26 anos.”
A expectativa inicial era de que o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia fosse assinado justamente durante esta cúpula, que marcou o fim da presidência rotativa brasileira do bloco e a transferência do comando para o Paraguai pelos próximos seis meses.
No entanto, a pressão exercida principalmente pelo governo da França acabou adiando qualquer anúncio definitivo. Sem consenso na Europa, o entendimento ficou novamente para depois, frustrando os planos de diferentes capitais sul-americanas.
Diante do impasse com os europeus, Lula destacou que o Mercosul tenta diversificar suas parcerias. Segundo o presidente, há negociações em curso com países como Japão e Vietnã, numa tentativa de abrir novos mercados e reduzir a dependência de um único grande acordo.
Ao mencionar essas tratativas, o governo brasileiro sinaliza que, embora o acordo com a União Europeia continue sendo uma prioridade estratégica, o bloco sul-americano não pretende ficar parado à espera de uma decisão de Bruxelas. A mensagem é de que o Mercosul quer ser visto como um parceiro ativo na agenda global de comércio.
Se Lula adotou um tom de cobrança em relação à União Europeia, o presidente do Paraguai, Santiago Peña, preferiu falar em frustração. Em sua intervenção na cúpula, ele recorreu a uma metáfora para expressar a decepção com o adiamento.
“Estávamos como o noivo esperando a noiva no altar”, lamentou Peña, ao lembrar que havia grande expectativa de assinatura do acordo nesta reunião do Mercosul. “Perdemos uma oportunidade.”
O Paraguai assume agora a presidência rotativa do bloco pelos próximos seis meses em um cenário de incerteza sobre o futuro imediato do acordo com a União Europeia. O atraso tende a alimentar pressões internas e debates sobre a efetividade da estratégia adotada pelo Mercosul nas negociações internacionais.
A cúpula também foi marcada pelo primeiro grande embate público do novo presidente da Argentina, Javier Milei, com o próprio Mercosul. Durante a plenária, ele aproveitou o microfone para fazer duras críticas ao funcionamento do bloco e à forma como ele tem conduzido sua política comercial.
Milei afirmou que os objetivos originais da união aduaneira nunca foram plenamente atingidos e apontou a burocracia interna como um dos principais obstáculos à integração econômica.
“O Mercosul nasceu com uma missão clara de promover o comércio, aumentar a prosperidade, integrar mercados e elevar a competitividade das nossas sociedades e nenhum dos objetivos centrais se cumpriu”, disse o presidente argentino.
Em seguida, ele fez uma lista de pontos em que, na avaliação dele, o bloco falhou: “Não há mercado comum, não há livre circulação efetiva, não há coordenação macroeconômica, não há harmonização normativa real, não há incremento significativo de comércio interno, não há abertura suficiente ao mundo.”
As críticas de Milei atingem diretamente o modelo de funcionamento do Mercosul e se somam ao clima de frustração provocado pelo adiamento do acordo com a União Europeia. A fala do argentino reforça a percepção de que o bloco atravessa um momento de questionamento e pressão por reformas.
A combinação de cobrança a Bruxelas, frustração com o adiamento e críticas internas ajuda a revelar o tamanho do desafio político enfrentado pelo Mercosul. De um lado, Lula insiste que a falta de “vontade política e coragem” da União Europeia travou um acordo esperado há quase três décadas. De outro, Milei questiona se o próprio bloco sul-americano tem sido capaz de criar o ambiente necessário para avançar em acordos de grande porte.
Fica claro, pela sequência de discursos na cúpula, que o debate já não se limita aos detalhes técnicos do acordo com a União Europeia. Ele passa também pela identidade do Mercosul, pela forma como os países-membros se enxergam no comércio internacional e pelo ritmo de abertura econômica que cada governo está disposto a assumir.
Enquanto isso, a aposta em negociações com países como Japão e Vietnã surge como tentativa de mostrar que o Mercosul ainda pode ampliar seu alcance global, mesmo em meio a dúvidas e desacordos internos. A próxima etapa desse processo ficará sob responsabilidade da presidência paraguaia, que assume o comando do bloco com a missão de tentar transformar promessas em resultados concretos.