Show com bebida alcoólica gera condenação por danos morais a adolescente em MS
Justiça reconhece falha grave na produção de evento em Porto Murtinho e fixa indenização de R$ 15 mil por violação de direitos de menor
JUSTIÇAA Justiça de Mato Grosso do Sul condenou os responsáveis pela produção de um show artístico realizado no interior do Estado ao pagamento de R$ 15 mil por danos morais a um adolescente. A decisão é do juiz Ricardo Achutti Poerner, da 2ª Vara da comarca de Jardim, e reconhece falha na prestação do serviço e violação do dever de proteção integral a crianças e adolescentes.
O caso teve origem em ação ajuizada por um adolescente que participou de um show aberto ao público em junho de 2023, no município de Porto Murtinho. Durante o evento, ele foi convidado a subir ao palco para participar de uma suposta “competição de dança”, sem ser informado previamente sobre a dinâmica adotada como forma de premiação.
De acordo com os autos, a “premiação” consistiu no despejo repetido de bebida alcoólica, do tipo whisky, diretamente na boca do menor. Após a ingestão forçada, o adolescente perdeu os sentidos. Logo depois de descer do palco, passou mal, caiu desacordado e precisou ser socorrido pelo pai, sendo levado ao hospital, onde permaneceu em observação até a manhã seguinte. O episódio foi registrado em vídeo e amplamente divulgado.
Em sua defesa, os responsáveis pelo evento sustentaram que o adolescente já estaria embriagado antes de subir ao palco, que teria concordado espontaneamente com a “brincadeira” e que haveria culpa exclusiva ou concorrente da vítima.
Esses argumentos, no entanto, não foram acolhidos pelo Judiciário. As provas produzidas demonstraram que o adolescente não tinha conhecimento prévio de que a participação envolveria consumo de álcool, que os artistas despejaram a bebida diretamente em sua boca de forma reiterada e que o mal-estar ocorreu imediatamente após o episódio.
Depoimentos colhidos no processo também apontaram que não houve qualquer checagem da maioridade dos participantes. O próprio produtor do evento reconheceu que o episódio foi resultado de uma falha da organização.
Ao analisar o caso, o juiz aplicou o Código de Defesa do Consumidor (CDC), reconhecendo a existência de relação de consumo entre o público participante e os responsáveis pelo serviço de entretenimento. Com isso, foi estabelecida a responsabilidade objetiva dos réus, conforme o artigo 14 do CDC, que dispensa a comprovação de culpa.
A sentença destacou ainda a proteção especial garantida a crianças e adolescentes pela Constituição Federal, no artigo 227, e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O magistrado lembrou que o fornecimento de bebida alcoólica a menores é crime, conforme o artigo 243 do ECA, entendimento reforçado pela Súmula 669 do Superior Tribunal de Justiça.
Para o juiz, a conduta dos responsáveis configurou ato ilícito com nexo causal direto com o dano sofrido. Segundo a decisão, a criação de uma dinâmica de palco envolvendo consumo de álcool, somada à ausência de controle etário, representou um risco objetivo e proibido, que se concretizou no colapso físico do adolescente.
Sobre a tese de culpa concorrente, o magistrado entendeu que eventual ingestão prévia de bebida alcoólica ou possível falha de vigilância do responsável legal não são suficientes para romper o nexo causal. Isso porque a ingestão adicional de álcool, ministrada no palco, foi o fator imediato que levou à perda de sentidos e à necessidade de atendimento médico.
Esses elementos, segundo a sentença, poderiam no máximo influenciar a fixação do valor da indenização, mas não afastam o dever de reparar o dano.
Na conclusão, o juiz ressaltou que o adolescente, então com 15 anos, foi exposto publicamente a situação vexatória e a risco concreto à integridade física, com necessidade de socorro médico. Para o Judiciário, o conjunto das provas evidenciou violação grave aos direitos da personalidade, caracterizando falha relevante na prestação do serviço de entretenimento.