TJMS | 17 de dezembro de 2025 - 11h10

Show com bebida alcoólica gera condenação por danos morais a adolescente em MS

Justiça reconhece falha grave na produção de evento em Porto Murtinho e fixa indenização de R$ 15 mil por violação de direitos de menor

JUSTIÇA
Justiça de Mato Grosso do Sul condenou produtores de show por permitir ingestão de bebida alcoólica por adolescente durante evento. - (Foto: Reprodução TJMS)

A Justiça de Mato Grosso do Sul condenou os responsáveis pela produção de um show artístico realizado no interior do Estado ao pagamento de R$ 15 mil por danos morais a um adolescente. A decisão é do juiz Ricardo Achutti Poerner, da 2ª Vara da comarca de Jardim, e reconhece falha na prestação do serviço e violação do dever de proteção integral a crianças e adolescentes.

O caso teve origem em ação ajuizada por um adolescente que participou de um show aberto ao público em junho de 2023, no município de Porto Murtinho. Durante o evento, ele foi convidado a subir ao palco para participar de uma suposta “competição de dança”, sem ser informado previamente sobre a dinâmica adotada como forma de premiação.

De acordo com os autos, a “premiação” consistiu no despejo repetido de bebida alcoólica, do tipo whisky, diretamente na boca do menor. Após a ingestão forçada, o adolescente perdeu os sentidos. Logo depois de descer do palco, passou mal, caiu desacordado e precisou ser socorrido pelo pai, sendo levado ao hospital, onde permaneceu em observação até a manhã seguinte. O episódio foi registrado em vídeo e amplamente divulgado.

Em sua defesa, os responsáveis pelo evento sustentaram que o adolescente já estaria embriagado antes de subir ao palco, que teria concordado espontaneamente com a “brincadeira” e que haveria culpa exclusiva ou concorrente da vítima.

Esses argumentos, no entanto, não foram acolhidos pelo Judiciário. As provas produzidas demonstraram que o adolescente não tinha conhecimento prévio de que a participação envolveria consumo de álcool, que os artistas despejaram a bebida diretamente em sua boca de forma reiterada e que o mal-estar ocorreu imediatamente após o episódio.

Depoimentos colhidos no processo também apontaram que não houve qualquer checagem da maioridade dos participantes. O próprio produtor do evento reconheceu que o episódio foi resultado de uma falha da organização.

Ao analisar o caso, o juiz aplicou o Código de Defesa do Consumidor (CDC), reconhecendo a existência de relação de consumo entre o público participante e os responsáveis pelo serviço de entretenimento. Com isso, foi estabelecida a responsabilidade objetiva dos réus, conforme o artigo 14 do CDC, que dispensa a comprovação de culpa.

A sentença destacou ainda a proteção especial garantida a crianças e adolescentes pela Constituição Federal, no artigo 227, e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O magistrado lembrou que o fornecimento de bebida alcoólica a menores é crime, conforme o artigo 243 do ECA, entendimento reforçado pela Súmula 669 do Superior Tribunal de Justiça.

Para o juiz, a conduta dos responsáveis configurou ato ilícito com nexo causal direto com o dano sofrido. Segundo a decisão, a criação de uma dinâmica de palco envolvendo consumo de álcool, somada à ausência de controle etário, representou um risco objetivo e proibido, que se concretizou no colapso físico do adolescente.

Sobre a tese de culpa concorrente, o magistrado entendeu que eventual ingestão prévia de bebida alcoólica ou possível falha de vigilância do responsável legal não são suficientes para romper o nexo causal. Isso porque a ingestão adicional de álcool, ministrada no palco, foi o fator imediato que levou à perda de sentidos e à necessidade de atendimento médico.

Esses elementos, segundo a sentença, poderiam no máximo influenciar a fixação do valor da indenização, mas não afastam o dever de reparar o dano.

Na conclusão, o juiz ressaltou que o adolescente, então com 15 anos, foi exposto publicamente a situação vexatória e a risco concreto à integridade física, com necessidade de socorro médico. Para o Judiciário, o conjunto das provas evidenciou violação grave aos direitos da personalidade, caracterizando falha relevante na prestação do serviço de entretenimento.