Relatório do Unaids alerta para ciclo entre desigualdade e pandemias e aponta caminhos para resposta
Documento lançado durante conferência internacional destaca impacto das desigualdades no avanço do HIV, Covid-19 e outras crises sanitárias; Brasil preside conselho global
SAÚDE
O Conselho Global sobre Desigualdades, Aids e Pandemias lançou nesta quarta-feira (17), durante a 57ª Reunião da Junta de Coordenação do Unaids, a versão em português do relatório “Rompendo o ciclo da desigualdade - pandemia – construindo a verdadeira segurança na saúde em uma era global”. O documento reforça evidências de que as desigualdades sociais e econômicas alimentam o surgimento e a disseminação de pandemias, tornando-as mais letais e prolongadas, além de dificultar as respostas nacionais e internacionais.
A publicação chega em um momento crucial para a resposta global à Aids, especialmente com a redução de recursos internacionais — como as recentes restrições de financiamento dos Estados Unidos — e com o Brasil na presidência do conselho do Unaids. O órgão, vinculado às Nações Unidas, debate neste encontro a estratégia global de enfrentamento à epidemia para o período 2026-2031, que deve ser negociada com os países do G20.
O relatório traz depoimento da ex-primeira-dama da Namíbia, Monica Geingos, integrante do conselho, para quem a desigualdade “não é inevitável. É uma escolha política — e uma escolha perigosa, que ameaça a saúde de todos. Quem se preocupa com o impacto das pandemias precisa se preocupar com a desigualdade”.
Baseado em dois anos de pesquisas e discussões em diversos países, o estudo mostra que altos níveis de desigualdade favorecem a ocorrência de novos surtos, dificultam as respostas sanitárias e aumentam as mortes. Ao mesmo tempo, as pandemias ampliam as disparidades sociais e econômicas, alimentando um ciclo perverso que se repetiu em crises como a da Covid-19, do HIV, do Ebola, da Influenza e da Mpox.
Nos últimos cinco anos, o cenário se agravou: a Covid-19 intensificou a concentração de renda e as novas tecnologias em saúde — como as injeções de longa duração para prevenção do HIV — ainda enfrentam barreiras econômicas para acesso e difusão, especialmente em países mais pobres.
O relatório aponta que a vulnerabilidade global cresce quando aumentam as desigualdades entre países, tornando pandemias mais demoradas e fatais. “O risco de morte é maior em sociedades mais desiguais, enquanto a redução da pobreza é fator-chave para aumentar a resiliência de comunidades”, destaca o estudo.
Os especialistas do conselho defendem uma abordagem integrada e internacional, baseada em quatro recomendações práticas:
- Reorganizar o sistema financeiro mundial — renegociando dívidas e repensando linhas de financiamento para emergências, abandonando políticas de austeridade que agravam crises sociais;
- Investir em políticas de proteção social — como principal forma de prevenção aos determinantes sociais das pandemias;
- Fortalecer a produção local e regional — estimulando pesquisa e desenvolvimento de medicamentos e vacinas, com compartilhamento de tecnologias como bem público;
- Construir confiança e eficiência — com governança multissetorial, integrando sociedade civil e governos na resposta às crises sanitárias.
O documento destaca ainda a necessidade de garantir acesso justo e rápido a medicamentos e vacinas, e de criar sistemas de saúde resilientes para enfrentar futuras pandemias.
Ao presidir o conselho global do Unaids, o Brasil assume protagonismo na busca por soluções inovadoras e cooperativas para enfrentar não só o HIV/Aids, mas também desafios de futuras emergências de saúde pública.
“A persistência de doenças como a Aids, malária e tuberculose segue como ameaça à segurança sanitária mundial. Precisamos agir juntos contra as desigualdades, que tornam as pandemias mais prováveis, letais e custosas”, conclui um dos especialistas ouvidos no relatório.