Julgamento sobre perda de patente por tentativa de golpe coloca STM sob teste, diz presidente
Maria Elizabeth Rocha afirma que análise será inédita e promete transparência em processos contra militares condenados pelo STF
POLÍTICAA presidente do Superior Tribunal Militar (STM), ministra Maria Elizabeth Rocha, afirmou nesta segunda-feira (15) que o julgamento sobre a eventual perda de patente de militares condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por envolvimento na tentativa de golpe de Estado entre 2022 e 2023 representará um momento decisivo para a Corte. Segundo ela, os processos irão “colocar o tribunal à prova” diante de um cenário inédito na Justiça Militar.
Pela primeira vez em sua história, o STM deverá analisar pedidos de cassação de patente relacionados a crimes contra a democracia. A Corte também nunca decidiu pela exclusão de generais das Forças Armadas após condenações desse tipo, o que amplia a dimensão institucional do julgamento.
Atualmente, cinco dos 15 ministros que compõem o STM foram indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Além disso, parte dos integrantes do tribunal conviveu profissionalmente, ao longo da carreira militar, com alguns dos oficiais agora condenados, o que tende a adicionar complexidade ao processo de julgamento.
Apuração do Estadão indica que ministros do STM devem levar em conta a chamada “vida pregressa” dos militares condenados ao analisar se eles são ou não dignos de permanecer no oficialato. Isso significa que, mesmo diante da comprovação de envolvimento na trama golpista, alguns magistrados podem votar contra a perda de patente de nomes de alta patente e prestígio nas Forças Armadas, como o general Augusto Heleno e o ex-comandante do Exército Paulo Sérgio Nogueira.
Historicamente, o STM costuma acolher a maior parte das representações do Ministério Público Militar (MPM). Nos últimos oito anos, cerca de 93% dos pedidos de expulsão de militares condenados foram aceitos pela Corte. Entre os crimes que mais resultaram na cassação de patentes estão estelionato, peculato, corrupção passiva e estupro de vulnerável.
Conforme já revelado pela Coluna do Estadão, a expectativa é que os casos envolvendo militares condenados pela tentativa de golpe cheguem ao STM a partir de 2026. O MPM deverá apresentar representações individualizadas, com a designação de um relator específico para cada processo.
Maria Elizabeth Rocha afirmou que pretende dar ampla publicidade aos atos do tribunal. Segundo ela, a imprensa será convidada para acompanhar os sorteios eletrônicos dos processos. “Eu quero que a transparência seja a marca de todas as ações que eu adotar”, declarou.
A ministra ressaltou que o STM não irá reavaliar os crimes já julgados pelo STF. “Ninguém vai avaliar o crime que já foi julgado pelo Supremo. Vamos analisar se os militares são dignos ou não para continuar no oficialato”, explicou.
Por tradição centenária, a presidente do STM não participa das votações. Ela só se manifesta em caso de empate, quando há sete votos para cada lado. Nessa situação, o voto de desempate é obrigatoriamente favorável ao réu, conforme praxe consolidada no Judiciário.
Outro ponto considerado inédito pela presidente do tribunal é a possibilidade de recursos contra as decisões do STM. As contestações podem partir tanto das defesas dos militares, caso a decisão seja pela perda de patente, quanto do próprio MPM, se a Corte decidir manter os condenados nas Forças Armadas.
Caso os recursos sejam apresentados, os processos poderão chegar ao STF. Historicamente, a Suprema Corte não admite apelações da Justiça Militar. “O Supremo nunca admitiu recurso. Eu sempre considerei, com todo respeito à Suprema Corte, um equívoco”, afirmou Rocha.
Segundo apuração do Estadão, um interlocutor do ministro Alexandre de Moraes informou que o magistrado deve discutir com os demais integrantes do STF a possibilidade de aceitar recursos relacionados à perda de patente. Nesse cenário, o Supremo pode tanto se sobrepor à decisão do STM — hipótese pouco comum — quanto determinar que a Corte militar reveja seu entendimento.