13 de dezembro de 2025 - 13h30

Sete em cada dez crianças de baixa renda estão fora das creches no Brasil

Estudo inédito revela como desigualdades de renda, raça, gênero e deficiência limitam o acesso à educação infantil no país

EDUCAÇÃO INFANTIL
Estudo revela que sete em cada dez crianças de baixa renda seguem fora das creches no Brasil - Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Apenas 30% das crianças de baixa renda com até 3 anos de idade estavam matriculadas em creches no Brasil até dezembro de 2023. O dado integra o estudo inédito O desafio da equidade no acesso à educação infantil, elaborado pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, em parceria com o Ministério da Educação (MEC) e o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). A pesquisa analisa microdados do CadÚnico e do Censo Escolar de 2023 e escancara as desigualdades que marcam o início da trajetória educacional no país.

Mesmo na pré-escola — etapa obrigatória da educação básica para crianças de 4 e 5 anos — a cobertura é insuficiente: apenas 72,5% das crianças de baixa renda cadastradas no CadÚnico estavam matriculadas.

O estudo mostra que as desigualdades no acesso à educação infantil estão diretamente associadas a fatores como renda, região, raça, gênero e deficiência. Crianças brancas têm 4% mais chances de conseguir uma vaga em creches e quase 7% a mais de acessar a pré-escola do que crianças pretas, pardas ou indígenas. Além disso, meninas têm 4,05% menos chances de frequentar a creche em comparação aos meninos.

Entre as crianças com deficiência, o cenário é ainda mais grave: elas têm 13,44% menos chances de estarem matriculadas na pré-escola. Para a presidente da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Mariana Luz, isso revela um padrão de exclusão preocupante.

“Você está falando de raça, gênero e deficiência: são três prioridades para a gente inserir na escola. Sobretudo sendo a escola um local para combater desigualdades”, afirmou.

A desigualdade regional também se reflete nas taxas de matrícula. A Região Norte tem o pior índice de acesso à creche entre crianças de baixa renda: apenas 16,4%. O Centro-Oeste registra 25%, o Nordeste, 28,7%, o Sul, 33,2%, e o Sudeste lidera com 37,6%, mas ainda abaixo da média ideal. A média nacional é de 30% entre as crianças do CadÚnico — dez pontos percentuais abaixo da média geral do país (40%).

Na pré-escola, a variação entre as regiões vai de 68% a 78%, com Norte e Nordeste novamente apresentando os piores índices.

Além da limitação financeira dos municípios, que dificulta a ampliação da oferta, o estudo aponta para barreiras como a falta de informação das famílias sobre a importância da creche, sobretudo para crianças até 3 anos. Em muitas cidades, ainda não há estrutura para atender bebês com menos de 2 anos.

“O que se vê é que as crianças do Cad são as que estão menos na creche. Isso é inadmissível. A creche é um espaço de aprendizagem, de desenvolvimento e também de segurança”, destacou Mariana Luz.

Ela também apontou que, quanto maior a idade da criança, maior a probabilidade de conseguir uma vaga, chegando a uma diferença de 148,29% de acesso entre os menores e os maiores de 3 anos.

O estudo ressalta ainda como a falta de vagas em creches afeta diretamente as mães. Muitas não têm com quem deixar os filhos para trabalhar. Quando conseguem vaga, o impacto é significativo: “Em uma creche integral, a criança se alimenta até cinco vezes por dia e está em um ambiente seguro, o que permite à mãe buscar renda”, explica Mariana.

Outro fator decisivo é a infraestrutura das moradias. Crianças que vivem em domicílios com melhor estrutura urbana (calçamento, iluminação, organização do bairro) têm mais chances de frequentar a escola. Já o emprego formal do responsável familiar aumenta em 32% as chances de acesso à creche.

Por outro lado, rendas informais reduzem essas chances em até 9%. A escolaridade dos pais também influencia: quanto mais anos de estudo, maior a probabilidade de matricular os filhos na educação infantil.

O estudo também aponta que políticas de transferência de renda podem ajudar a diminuir a desigualdade. O Programa Bolsa Família, por exemplo, aumenta em 9% as chances de uma criança estar na pré-escola e em 2% na creche. Já o Benefício de Prestação Continuada (BPC) eleva em 12% as chances de acesso à creche e 8% à pré-escola.

O relatório chega em um momento crucial, durante os debates sobre o novo Plano Nacional de Educação (PNE), a Política Nacional Integrada da Primeira Infância (PNIPI) e o Compromisso Nacional pela Qualidade e Equidade da Educação Infantil (Conaquei).

“Mesmo dentro da educação pública, há o reflexo da desigualdade do acesso”, disse Mariana. Segundo ela, o foco das políticas para os próximos anos deve ser oferecer mais para quem tem menos. “A educação infantil de qualidade melhora até três vezes mais a trajetória escolar das crianças. Mas o que se vê é que o acesso é tão desigual quanto o próprio país”, concluiu.