Redação | 12 de dezembro de 2025 - 10h35

"Mulher hoje gasta mais com esporte, e varejo precisa se adaptar à demanda"

Natalia Matsukuma, gerente de projetos da varejista, aponta mudanças no perfil do consumidor, com mais mulheres como clientes recorrentes e adaptação de portfólio para evitar 'sexualização'

NATALIA MATSUKUMA
Natalia Matsukuma, gerente executiva de projetos da Centauro - (Foto: Centauro/Divulgação)

Nos últimos cinco anos, as mulheres têm se tornado clientes relevantes do varejo esportivo, antes dominado por homens. Elas não só estão comprando para consumo próprio, como também estão dispostas a gastar mais: nas cestas os produtos mais básicos e baratos (chamados de produtos de entrada) estão dando lugar à preferência por peças mais caras, confortáveis e que proporcionam uso híbrido no esporte e no cotidiano, tanto em vestuário quanto em calçados.

A observação é da gerente executiva de projetos da Centauro, Natalia Matsukuma, que já teve passagens por outras empresas do setor como Nike e Puma. Na varejista esportiva desde 2019, ela presenciou essa mudança, causada, na sua avaliação, pela maior inserção das mulheres nas corridas de rua e em práticas de bem-estar como yoga e pilates.

Segundo dados da Centauro, a participação de novas clientes mulheres comparada a de novos clientes do gênero masculino aumentou 5 p.p. (pontos percentuais), entre 2022 e 2025. No crescimento anual 2025 versus 2024 de novos clientes, o número de mulheres cresceu 11%. Além disso, do total de novos clientes em 2025, 57% do volume corresponde ao público feminino.

O movimento também se refletiu em ganhos financeiros. O aumento do ticket médio das clientes mulheres entre 2022 e 2025 (até outubro) foi de 20,42% na categoria de calçados e de 17,62% na de vestuário.

A diversificação de público também exigiu a diversificação de portfólio. Mas a indústria do setor, acostumada por muitos anos a lidar com homens, ainda precisa atender melhor a essa demanda, ressalta Matsukuma. Uma atenção maior para suas necessidades corporais e uma prioridade no uso de tecidos não transparentes, que evitem exposição involuntária do seu corpo, são dois dos pontos que ainda precisam ser olhados.

Veja os principais trechos da entrevista ao Estadão:

A sra. vem percebendo mudanças no comportamento ou no perfil do consumidor da Centauro de 2019 até agora?

No geral, falando de categoria, percebemos um movimento bem forte (vindo) da corrida. Estamos vivendo o grande segundo boom da corrida. O primeiro aconteceu logo após a pandemia, mas ele vinha de um público mais profissional, mais velho e com muito desejo de alta performance. Aí, caminhamos para um lugar de mais prática do esporte, inclusive com mulheres e um público mais jovem sendo inseridos no universo da corrida. Essa nova geração está entrando na corrida com um olhar um pouco diferente, olhando para o bem-estar, buscando mais produtos de rodagem. Na parte de vestuário, tínhamos antes (um interesse por) produtos muito técnicos ou vestuário muito barato, e agora já vamos para um olhar de lifestyle, um produto híbrido, com o qual eu possa correr e também estar em um café da manhã. Então, para mim, o principal movimento entre todos os esportes foi o da corrida. De lá para cá, como o esporte aflorou muito com a pandemia, vemos a mulher entrando nesse cenário, coisa que tínhamos uma certa dificuldade. No passado, a Centauro já foi muito reconhecida por ser muito voltada ao homem, a venda era concentrada no masculino. De lá para cá, vemos um cenário diferente. Vemos uma mulher comprando para o seu marido, para o seu filho, mas também comprando para ela.

Essa ‘concentração no masculino’ tinha relação com as lojas estarem centradas em materiais para futebol ou o esporte em si era algo que era realmente do consumidor masculino?

Não. Vejo que (essa situação era vivida pela) indústria como um todo, e não uma particularidade da Centauro. No pré-pandemia, a indústria se voltava muito para o público masculino, era um olhar muito frio para a mulher. Não tinham construções, do ponto de vista de haver portfólio voltado para ela. Nós vemos marcas nascendo com o viés, inclusive, (de ofertar mais cores). Então, não necessariamente era uma questão da Centauro, era uma questão da indústria, e no pós-pandemia acordamos para esse movimento.

Mas, antes disso, já havia um movimento voltado para as roupas fitness, contando com a participação das mulheres ali...

(Com a) mulher, tanto para a indústria quanto para o varejo, sempre colhemos muitos resultados de preço de entrada. Ela sempre se posicionou dentro do nosso negócio nesse lugar. Depois da pandemia, começamos a ver essa consumidora também querendo um tênis de placa (de carbono), também querendo um vestuário de alta performance. Teve um movimento de a mulher realmente se enxergar nesse lugar. Antes ela era a pessoa que acompanhava o marido na academia e que, portanto, não necessitava de um superinvestimento. Ela não se colocava em um lugar de competição entre gêneros, e sim “vou comprar o melhor para o meu marido, para o meu filho e, para mim, o básico está OK”. A corrida é um lugar de destaque porque se tornou, inclusive, o lugar fashion. Hoje nas corridas vemos penteados, óculos, macaquinho, meia, lacinho, enfim. Em segundo estão os esportes de bem-estar. Na parte de fitness, a mulher já estava, então a crescente é menor porque ela já estava ali.

Então, estamos falando, por exemplo, de um perfil de consumidora que aumenta o ticket médio da empresa também, sendo não só uma questão de diversidade, mas também de interesse de negócios…

Perfeito. As marcas e nós, enquanto varejo, começamos a enxergar um potencial aí, porque a mulher gastava muito pouco com o esporte antigamente, mas ela gastava muito com moda. Hoje, vemos uma preocupação do varejo no detalhe de exposição, em contar a história de um look completo. Porque, no final, a mulher pode escolher por comprar individualmente itens mais baratos, mas a cesta dela é maior. Então, ela compra mais vezes, a recorrência maior, e quando ela compra, coloca mais itens na cesta. Ela compra o look completo: top, legging, tênis, faixa de cabelo, viseira, maquiagem esportiva.

A Centauro precisou se adaptar a esse público, no sentido de ter um mix de produtos, mudar a comunicação ou ofertar algum tipo de serviço específico?

Eu vejo que estamos em processo de mudança. A Centauro vem com alguns direcionamentos que demonstram esse olhar para a mulher. O próprio patrocínio que nós temos para o Paulista (Campeonato Paulista de Futebol) para mulher, não só para o homem, por exemplo. Do ponto de vista de loja, começamos a entender que a marca trazia a coleção masculina com uma série de variedades de cor e tons e, para a mulher, sempre era o rosa e o lilás. Neste lugar, começamos a desafiar muito a indústria de que a mulher não é só isso, que não é isso que nós esperamos. Começamos a mover alguns ponteiros do ponto de vista de portfólio.

De que maneira?

Na exposição dos produtos, (fizemos) algumas adaptações, exatamente por essa questão de a mulher também não querer se ver nesse lugar de rosa e lilás. Começamos a expor por categoria. Por exemplo, se você vai nas nossas lojas, na categoria de corrida, tem o masculino e feminino junto, porque se o homem quiser comprar um tênis rosa está tudo bem. Se a mulher quiser comprar um tênis azul também está tudo bem. Uma das melhorias também é, por exemplo, contar as histórias por look completo (manequins com roupas e acessórios combinando). Não fazíamos porque com o homem não existe isso. Ele vai lá e compra, por exemplo, a bermuda preta. O comportamento da mulher é comprar o look completo. Então, passamos a fazer também uma exposição que converse com essa mulher.

A sra. identifica também a demanda, por exemplo, por tamanhos maiores ou coleções mais inclusivas?

Estamos indo no caminho de ter mais unissex, tanto na parte de calçados, quanto na parte de vestuário, facilitando essa jornada. Eu, enquanto varejo ou indústria, não defino se você deve usar uma camiseta que é taxada como masculina ou feminina. Do ponto de vista de PCDs, eu vejo isso muito forte nas marcas globais: a Adidas, a Nike, a Puma fazendo isso de forma muito forte fora. Mas, no Brasil, há uma série de dificuldades, até por questões de tributação, mínimos de compra, valor de manequim, etc. Então, esbarra um pouco em negócio, para tomada de decisão. Mas existe o desejo das duas partes, tanto da Centauro, quanto das marcas, de explorar mais esse lugar.

Nesse sentido, havia um tênis da Nike que era possível calçar sem necessidade de uso das mãos…

Vendeu (no Brasil). Tinha no modelo Pegasus e no Romero. Todos eles tinham essa funcionalidade. No final, tínhamos o produto, mas não teve o esforço de comunicação. Nós compramos enquanto Centauro, a Nike fez o esforço de importação, mas não teve um esforço de comunicação. Então, no final, vendíamos para as pessoas que não gostam de amarrar tênis. E os nossos gerentes de loja reportavam muito que era importante manter (a venda) porque estávamos colocando os tênis no pé de quem quer um algo prático. Mas não era esse o intuito. Era um produto com uma margem mais baixa para a marca, havia um esforço para trazer o produto, mas, no final, a funcionalidade dele não estava sendo vendida por falta de comunicação. É um ponto que acontece com a parte de sustentabilidade.

Me parece que há muitas marcas do universo esportivo que são globais, com a gestão executiva de sustentabilidade fora, havendo um descasamento entre o que as marcas fazem para repensar modelos e insumos e a comunicação dessas iniciativas…

É, existe um pouco de política por trás disso também, (sobre) o quanto as marcas querem ou não entrar na pauta, então isso acaba dificultando. Um exemplo é o que acontece com os tamanhos super grandes. As marcas, antes, traziam, nós comprávamos para dar a opção também do plus size, mas, no final, as marcas se posicionavam muito pouco e recebiam hate (mensagens de ódio) por isso. Então, a marca também não tem uma rentabilidade boa, não quer entrar na briga, na questão política do assunto, e aí deixa de trazer (as peças).

Na sua visão, o que falta hoje para o esporte se tornar mais inclusivo nesse sentido de se comunicar melhor quando traz mais soluções para variados públicos, e quando isso pode se refletir no varejo?

Essa destrava já aconteceu do ponto de vista de ter um olhar mais afinado para a mulher, para a diversidade. Sinto que existe um movimento muito fluido nesse lugar. O que falta é a indústria também entender que a mulher exige outros desafios. Alguns deles nós já entendemos e já endereçamos enquanto mercado esportivo, mas existem outros que não identificamos e não estamos tratando. Também (é preciso) um esforço maior em abrir possibilidades para a mulher participar mais do esporte. Temos algumas pesquisas que dizem que a mulher gosta muito de esportes coletivos. Mas, ao mesmo tempo, ela pratica mais esportes solitários, porque a rotina dela não se encaixa. Então, como se colocar nesse lugar e ajudar nesse sentido? Apesar de estarmos movendo ponteiros para atender a mulher, ainda há muito o que fazer. A mulher precisa, por exemplo, de materiais mais resistentes, porque tem a questão da sexualização do corpo, e a transparência é algo muito sensível. E muitas vezes se vai por um caminho de escolha de custo (com tecidos mais baratos e transparentes), deixando a mulher exposta. Muitas vezes você entra em lojas em que o lugar que a mulher senta para provar o seu tênis é um banco baixo. E o banco baixo, se ela estiver de saia, deixa ela em um lugar desconfortável. A posição que o vendedor está colocando o tênis é uma posição ruim. Então, podemos melhorar nesse sentido, dar direcionamentos, treinar o time para isso, (uma vez que) o varejo como um todo está muito acostumado a lidar com um homem. E, do ponto de vista de portfólio, existe uma necessidade das marcas (considerarem) o corpo da mulher (brasileira). O mercado esportivo tem muita marca importada, 90%, (voltado para) o corpo de uma norte-americana. Então, para a brasileira, sobra tecido, fica quadrado, não fica legal. São alguns exemplos do que ainda precisamos pensar. Temos um papel importante.