Flávia Said e Victor Ohana | 10 de dezembro de 2025 - 07h30

Câmara aprova projeto que endurece combate à sonegação fiscal e mira devedores contumazes

Texto criminaliza quem sonega de forma sistemática, impede benefícios e estabelece critérios para atuação no setor de combustíveis

DEVEDOR CONTUMAZ
O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), no plenário - ( Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados)

Por ampla maioria de 436 votos a 2, a Câmara dos Deputados aprovou, na noite desta terça-feira (9), o projeto de lei complementar que cria novas regras para combater a sonegação fiscal e punir os chamados “devedores contumazes” — empresas que deixam de pagar tributos de forma intencional, reiterada e injustificada.

De autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o Projeto de Lei Complementar (PLP) 125/2022 segue agora para sanção do presidente Lula, já que o texto aprovado pelos deputados é idêntico ao que foi validado por unanimidade no Senado, sob relatoria do senador Efraim Filho (União-PB).

A proposta visa desarticular estruturas que usam a inadimplência como estratégia de negócio e ganhou impulso após as revelações da Operação Carbono Oculto, que identificou atuação do crime organizado, como o PCC, no setor de combustíveis e lavagem de dinheiro via fundos de investimento.

Segundo o texto, será classificado como devedor contumaz o contribuinte com dívida tributária injustificada igual ou superior a R$ 15 milhões e que ultrapasse 100% do seu patrimônio conhecido. O critério também exige reincidência: inadimplência por quatro períodos seguidos ou seis alternados em um ano.

Nos âmbitos estadual e municipal, os valores mínimos e critérios poderão ser definidos pelos próprios entes federados. Caso não o façam, valerão as regras federais. Situações excepcionais, como calamidades públicas, impedem a aplicação dessa classificação.

As empresas consideradas devedoras contumazes podem sofrer penalidades severas:

Um dos pontos centrais do projeto é impedir a extinção da responsabilidade penal com o simples pagamento da dívida. Ou seja, devedores contumazes não poderão evitar punição criminal apenas quitando os débitos após serem autuados.

A Receita Federal ficará responsável por listar os devedores contumazes em seu site. As administrações estaduais e municipais também deverão divulgar essas informações e notificar o Ministério da Fazenda sobre inclusões e exclusões desses contribuintes.

Aprovado em meio às descobertas da Carbono Oculto, o texto obriga a Agência Nacional do Petróleo (ANP) a adotar critérios mais rígidos no setor de combustíveis. Entre eles:

A medida busca evitar o uso de “laranjas” e dificultar a entrada de organizações criminosas no setor.

O texto também obriga instituições de pagamento, como fintechs, a seguir regras do Poder Executivo para ampliar o controle sobre transações financeiras e prevenir lavagem de dinheiro.

O projeto cria três programas de conformidade fiscal:

  1. Confia – Conformidade Cooperativa Fiscal;
  2. Sintonia – Estímulo à Conformidade Tributária;
  3. OEA – Operador Econômico Autorizado.

Empresas que aderirem terão benefícios como tratamento diferenciado, facilidades para regularização e redução de juros, além de autorregularização facilitada em caso de crise financeira.

Outra inovação do projeto é a criação de um conjunto de normas para equilibrar os direitos e deveres dos contribuintes, com foco em reduzir disputas judiciais e facilitar o cumprimento das obrigações fiscais.

Entre os deveres dos órgãos tributários estão: reduzir processos administrativos, eliminar taxas indevidas e priorizar a resolução cooperativa dos conflitos fiscais.

Apesar do consenso entre os partidos — todos orientaram favoravelmente — a votação ocorreu em clima tenso, após protesto e expulsão do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) do plenário, que ocupa a cadeira da presidência da Casa em protesto contra um processo no Conselho de Ética.

Mesmo assim, a proposta foi aprovada com apenas dois votos contrários, dos deputados Marx Beltrão (PP-AL) e Flávio Nogueira (PT-PI). O presidente da Câmara, por regra, não vota.