Armas de uso restrito nas mãos do crime dobram em cinco anos no Sudeste
Apreensões de pistolas 9mm saltaram 119% após flexibilização durante governo Bolsonaro
SEGURANÇA PÚBLICAA liberação do uso de pistolas 9 milímetros para civis, autorizada em 2019 no primeiro ano do governo Jair Bolsonaro, teve efeito direto no aumento do poder de fogo da criminalidade. Segundo levantamento do Instituto Sou da Paz, divulgado nesta segunda-feira (8), o número de armas desse calibre apreendidas pelas forças de segurança nos estados do Sudeste mais que dobrou entre 2018 e 2023.
Em números absolutos, as apreensões passaram de 2.995 para 6.568 – um crescimento de 119%. No mesmo período, a pistola 9mm saltou da quinta para a segunda posição entre os calibres mais apreendidos, atrás apenas do revólver calibre 38.
A análise do Instituto, intitulada “Arsenal do Crime”, alerta para a transformação no perfil do armamento apreendido no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo após o decreto que ampliou o acesso a armas por caçadores, atiradores esportivos e colecionadores (CACs). Entre as mudanças, a 9mm deixou de ser de uso exclusivo das forças de segurança e passou a ser vendida no mercado civil, com possibilidade de aquisição de até 30 armas por pessoa.
Para os pesquisadores, o crescimento nas apreensões indica que parte dessas armas acabou desviada para o crime organizado – seja por roubos e furtos de usuários legais (“desvio de boa-fé”), seja por esquemas de compra deliberada para abastecer facções (“desvio de má-fé”).
Além de mais potentes, pistolas 9mm têm maior capacidade de munição e velocidade de disparo. Enquanto um revólver tradicional comporta até seis tiros, pistolas desse tipo possuem carregadores com 12 ou mais munições, podendo ser recarregadas rapidamente. O estudo destaca ainda que o projétil disparado pela 9mm tem 40% mais energia e maior alcance.
Reversão de regras e falta de fiscalização - Com a mudança de governo, em 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciou um processo de revisão da política armamentista. Um decreto federal voltou a restringir o uso de pistolas 9mm às forças de segurança e transferiu a fiscalização dos CACs do Exército para a Polícia Federal. A expectativa é aumentar o controle sobre o rastreamento e o destino dessas armas.
Para o coordenador de projetos do Sou da Paz, Bruno Langeani, as mudanças em 2019 representaram um afrouxamento irresponsável. Ele defende que é urgente ampliar a estrutura de fiscalização e criar delegacias especializadas em combate ao tráfico de armas. Hoje, apenas seis estados contam com unidades desse tipo.
Armas pesadas também crescem nas apreensões - O levantamento aponta ainda aumento de 55,8% nas apreensões de armamentos de maior porte, como fuzis, metralhadoras e submetralhadoras no Sudeste. Em 2023, foram 1.738 apreensões desse tipo. O Rio de Janeiro lidera com 3.076 fuzis recuperados entre 2018 e 2023, mais que o dobro dos demais estados da região somados.
A presença desse tipo de armamento está ligada ao domínio de facções criminosas em áreas conflagradas, especialmente nas regiões metropolitanas. O instituto reforça que o combate ao desvio de armas deve ser prioridade na agenda de segurança pública.