Estudo aponta aumento de eventos extremos no Sul do Brasil até o fim do século
Pesquisadores da UFRGS e ANA alertam para crescimento de cheias, chuvas intensas e secas mais severas nos três estados da região
CLIMA EM ALERTAO Sul do Brasil deve enfrentar um aumento expressivo na frequência e intensidade de eventos climáticos extremos nas próximas décadas. A constatação é do estudo Impacto da mudança climática nos recursos hídricos do Brasil, realizado pelo Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em parceria com a Agência Nacional de Águas (ANA).
Segundo os pesquisadores, eventos raros como enchentes com tempo de retorno de 100 anos — ou seja, que atualmente ocorrem a cada século — tendem a se tornar mais comuns, com possibilidade de acontecerem em intervalos de apenas 10 anos. A projeção é de aumento nas vazões dos rios, volume das chuvas e até no número de dias de seca, criando um cenário de alta vulnerabilidade para a população da região Sul.
Tragédias recentes acendem o alerta - A pesquisa chega em um momento de atenção máxima para o clima no Sul do Brasil. Em 2024, o Rio Grande do Sul enfrentou a pior enchente de sua história, com saldo de 185 mortos e mais de 2,4 milhões de pessoas afetadas. No início de novembro, um tornado atingiu a cidade de Rio Bonito do Iguaçu, no Paraná, deixando sete mortos e mais de 700 feridos. Mais recentemente, o Vale do Itajaí, em Santa Catarina, foi duramente castigado por chuvas que afetaram pelo menos 33 municípios desde o dia 22.
A pesquisa projeta que as cheias frequentes e raras terão aumento significativo nas próximas décadas, com destaque para o Paraná, onde as cheias raras devem crescer até 25% e as frequentes, até 18%. Em Santa Catarina, a previsão é de 17% de aumento para ambos os tipos. Já no Rio Grande do Sul, a projeção é de 14% para as frequentes e 13% para as raras.
Essas mudanças devem provocar elevações de até três metros no nível das águas em áreas serranas e entre 50 centímetros e um metro em regiões mais planas. Com isso, cresce também a área potencialmente inundada e o número de pessoas afetadas.
De acordo com o relatório, a repetição de cheias severas tende a se intensificar: “Um evento extremo que atualmente ocorre, em média, a cada 50 anos, no futuro poderá ocorrer, em média, a cada 10 anos, aumentando seus impactos negativos”, afirma o documento assinado pelos pesquisadores Rodrigo Cauduro Dias de Paiva, Walter Collischonn, Saulo Aires de Souza e Alexandre Abdalla Araujo.
Chuvas curtas e longas em alta, mas também mais seca - A análise aponta aumento tanto em chuvas de curta duração (até 1 dia), quanto nas longas (até 20 dias). No Rio Grande do Sul, as chuvas curtas devem crescer 15% nas frequentes e 18% nas raras. Já as longas têm previsão de aumento de 10% e 11%, respectivamente.
Em Santa Catarina, as chuvas curtas devem crescer 14% (frequentes) e 16% (raras), enquanto as longas sobem 11% e 15%. No Paraná, o aumento nas chuvas curtas será de 12% e 15%, e nas longas, de 8,5% e 13%.
Apesar do aumento previsto na média anual de precipitação no Sul — com até 10% de crescimento ao longo do século —, os períodos de estiagem também devem se intensificar. O estudo projeta aumento no déficit hídrico em todos os estados da região.
No Paraná, o déficit em relação à vazão mínima de referência pode crescer 143%, com estimativa de 10 dias de estiagem. Em Santa Catarina, a projeção é de 83%, com cinco dias. No Rio Grande do Sul, o aumento esperado é de 42%, com três dias de seca.
A precipitação média anual deve crescer até 4,8% no RS e 4,7% em SC. No Paraná, a tendência é oposta, com uma leve redução de 2%, seguindo a previsão para outras regiões do Brasil, com exceção do Ceará, que também deve registrar aumento.
Vale do Taquari entre os mais vulneráveis - O estudo destaca os rios Iguaçu e Taquari como alguns dos mais suscetíveis ao aumento das vazões máximas. No caso do Rio Grande do Sul, a região do Vale do Taquari, palco de eventos trágicos em 2023 e 2024, é citada como área de alto risco para o futuro próximo.
Segundo os pesquisadores, será necessário reforçar o planejamento urbano e a infraestrutura hídrica para evitar colapsos diante dos novos padrões climáticos.