Taxa de analfabetismo entre idosos negros ainda é mais que o dobro da de brancos
Estudo do Cedra mostra que, apesar da queda nas taxas gerais, desigualdade racial na alfabetização persiste
EDUCAÇÃO E DESIGUALDADEMesmo com avanços significativos na redução do analfabetismo no Brasil, as desigualdades raciais ainda marcam fortemente o acesso à educação. Um levantamento realizado pelo Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra), com base nos dados da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), mostra que o índice de analfabetismo entre idosos negros (60 anos ou mais) continua sendo mais do que o dobro do verificado entre os brancos.
Em 2012, a taxa de analfabetismo entre idosos negros era de 36,0%, enquanto entre os brancos era de 15,4%. Já em 2023, as taxas caíram para 22,1% e 8,7%, respectivamente. Embora a diferença entre os dois grupos tenha diminuído de 20,6 para 13,4 pontos percentuais, a distância ainda é expressiva.
Para Marcelo Tragtenberg, membro do conselho deliberativo do Cedra, o cenário exige atenção. "Houve melhora, mas não sabemos se é por motivo geracional, se os novos idosos estão mais escolarizados ou pelo processo de urbanização. Para isso, seria importante uma busca ativa para matrículas em Educação de Jovens e Adultos (EJA) e até uma política de incentivos, como o programa Pé de Meia, mas voltada para a população mais velha que não chegou aos níveis básicos de escolaridade", afirmou.
Jovens avançam, mas desigualdade ainda existe - Entre os jovens (15 a 17 anos), o estudo revela um quadro mais positivo. A taxa de analfabetismo dos negros caiu de 2,4% em 2012 para 0,9% em 2023. Já entre os brancos, passou de 1,1% para 0,6%. A diferença, que era de 1,3 ponto percentual, caiu para 0,3 p.p. uma melhora mais acentuada entre os jovens negros.
Na faixa etária de 25 a 29 anos, as taxas também apresentaram redução: entre homens negros, o índice caiu de 2,8% para 1,3%; entre homens brancos, foi de 1,3% para 0,7%. Já entre mulheres negras, a queda foi de 1,3% para 0,7%, e entre mulheres brancas, de 0,7% para 0,3%.
Diferenças persistem entre adultos - Na população de 30 a 39 anos, o estudo aponta que, em 2012, a taxa de analfabetismo era de 7,0% para negros e 2,5% para brancos. Em 2023, os números caíram para 2,2% e 1,1%, respectivamente. Ainda assim, pessoas negras desta faixa etária hoje enfrentam índices próximos aos de brancos há mais de uma década.
O levantamento também mostra que a taxa de analfabetismo entre mulheres negras com mais de 15 anos era de 10,8% em 2012, ante 5,1% entre as mulheres brancas. Em 2023, os percentuais caíram para 6,6% e 3,3%, respectivamente diferença que, embora menor, continua expressiva.
Já entre os homens negros com mais de 15 anos, a taxa caiu de 11,5% para 7,4% no período analisado. Entre os brancos, a redução foi de 4,8% para 3,4%. Ou seja, mesmo com a queda nos índices gerais, a desigualdade entre os grupos permanece evidente.
Reflexo de desigualdades históricas - A pesquisa do Cedra evidencia que, embora o país tenha avançado na alfabetização nos últimos anos, as desigualdades raciais seguem estruturando o acesso ao direito básico à educação. Especialistas apontam que os altos índices de analfabetismo entre a população negra mais velha são reflexo de décadas de exclusão educacional, especialmente durante os períodos em que políticas públicas eram inexistentes ou ineficazes para garantir acesso universal à escola.
Segundo Tragtenberg, é preciso que o poder público atue com políticas específicas para enfrentar essas desigualdades. Ele defende a criação de programas voltados à alfabetização de idosos negros, com estímulos que considerem as dificuldades de mobilidade, renda e acesso a equipamentos públicos.