Patti Smith e os 49 anos de 'Horses', o grito poético que moldou o punk
Álbum de estreia da artista americana redefiniu a música ao unir poesia, rock cru e performance visceral
PUNK ROCKSexo. Morte. Divindade. Violência. Luto. Dinheiro. Arte. Família. Êxtase. Patti Smith não poupou nenhum desses temas ao lançar, em 10 de novembro de 1975, Horses, seu álbum de estreia — uma obra-prima crua e visionária que redefiniu o rock e lançou as bases para o punk norte-americano.
Quase meio século depois, Horses permanece como uma das obras mais radicais e influentes da música moderna, nascida de uma cena underground de Nova York que, à época, ainda era um segredo guardado nas entranhas do bar CBGB, no Bowery.
Patti Smith começou como poeta nos anos 1970, mas logo sentiu a necessidade de amplificar suas palavras. Buscando intensidade, perguntou ao guitarrista Lenny Kaye se ele conseguiria soar "como uma batida de carro". Kaye havia organizado a coletânea Nuggets (1972), essencial para o surgimento do conceito de “punk rock”, ao reunir faixas selvagens do garage rock dos anos 1960.
Inspirada nos poetas da geração Beat e nos delírios místicos dos Doors, Smith começou a transformar suas leituras poéticas em apresentações musicais. A banda foi se formando: o tecladista Richard Sohl trouxe um toque de improviso jazzístico e erudito; o guitarrista Ivan Kral adicionou consistência; e Jay Dee Daugherty assumiu a bateria após trabalhar no sistema de som do CBGB — palco da efervescente cena nova-iorquina.
Com o grupo consolidado e contrato assinado com a Arista Records, a banda gravou Horses em setembro de 1975 no lendário estúdio Electric Lady, fundado por Jimi Hendrix. A produção ficou por conta de John Cale, ex-integrante do Velvet Underground, outro expoente do rock literário e experimental.
A convivência no estúdio teve atritos criativos, mas o resultado foi um disco visceral, que capturou Patti Smith em pleno processo de autoinvenção: uma performer-poeta que declamava sobre guitarras sujas e ritmos quebrados, criando algo novo, enérgico e impiedosamente autêntico.
Lançado oficialmente em 10 de novembro de 1975, Horses chocou e fascinou com sua capa em preto e branco, onde Smith, de cabelo desgrenhado e olhar direto, usa uma camisa branca masculina e casaco jogado no ombro — imagem tão simbólica quanto a música que o álbum contém.
Canções como Gloria, Free Money e Land misturam desejo, desespero, crítica social e transcendência artística. Em vez de oferecer refrões fáceis ou glamour comercial, Smith apresentou um manifesto de identidade e liberdade.
Mais do que apenas um álbum, Horses é uma declaração de guerra à complacência cultural, e seu impacto segue reverberando em gerações de músicos e ouvintes — de punk à arte performática, de feminismo à liberdade criativa sem concessões.