Violência contra mulheres estagna e atinge 840 milhões, alerta OMS
Relatório aponta que agressões físicas e sexuais contra mulheres permanecem em níveis críticos há duas décadas e afetam especialmente jovens e populações vulneráveis
SAÚDEA cada nova atualização global sobre violência contra mulheres, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reforça um alerta que, apesar da gravidade, pouco avança. O relatório divulgado nesta quarta-feira (19) mostra que 840 milhões de mulheres já sofreram violência doméstica ou sexual ao longo da vida, proporção que equivale a quase um terço da população feminina mundial. Os números são praticamente os mesmos registrados no início dos anos 2000, evidenciando um cenário de estagnação.
Nos últimos 12 meses, 316 milhões de mulheres com 15 anos ou mais foram vítimas de agressões físicas ou sexuais praticadas pelo parceiro íntimo. A OMS aponta que a redução global desses casos ocorre em ritmo extremamente lento, com queda anual média de apenas 0,2% nas últimas duas décadas. Para a organização, o dado indica que políticas públicas e ações de enfrentamento não têm sido suficientes para frear o problema.
O relatório amplia a compreensão da violência ao incluir, pela primeira vez, estimativas específicas sobre agressões sexuais cometidas por pessoas que não são parceiros íntimos. Nessa categoria, 263 milhões de mulheres foram vitimadas ao menos uma vez. A OMS ressalta que esse número é subestimado, já que o medo de represálias, a vergonha e o estigma seguem como barreiras para a denúncia.
O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, frisou que a violência contra mulheres permanece como um dos maiores desafios sociais. “A violência contra mulheres é uma das injustiças mais antigas e disseminadas da humanidade”, afirmou. Ele reforçou que o enfrentamento precisa ser entendido como um compromisso ético e humanitário: “Nenhuma sociedade pode se considerar justa, segura ou saudável enquanto metade de sua população vive com medo”.
Segundo Tedros, os números não podem ser encarados apenas como estatísticas. “Por trás de cada estatística, há uma mulher ou menina cuja vida foi alterada para sempre”, disse. Para ele, empoderar mulheres e meninas é condição fundamental para garantir paz, desenvolvimento e saúde global.
A OMS destaca que a violência contra mulheres não está restrita ao ambiente adulto. O relatório aponta que 12,5 milhões de adolescentes entre 15 e 19 anos, o equivalente a 16% dessa faixa etária, sofreram violência física ou sexual praticada pelo parceiro apenas no último ano. O dado reforça que meninas entram no ciclo de violência cedo e permanecem expostas por toda a vida.
Os impactos da violência vão além do trauma imediato. A organização alerta que as vítimas enfrentam riscos elevados de gestações indesejadas, maior exposição a infecções sexualmente transmissíveis e índices mais altos de depressão e outros transtornos mentais. Nesse contexto, serviços de saúde sexual e reprodutiva se tornam essenciais para identificar casos e oferecer acolhimento qualificado.
O relatório também aponta desigualdades regionais. Em áreas da Oceania — excetuando Austrália e Nova Zelândia — a prevalência de violência praticada por parceiro íntimo chegou a 38% no último ano, taxa que equivale a mais do que três vezes a média global. Para a OMS, regiões marcadas por menor desenvolvimento, conflitos ou vulnerabilidade a crises climáticas tendem a registrar níveis mais altos de agressões.
Mesmo com avanços na coleta de dados por parte dos países, ainda existem lacunas que dificultam a compreensão completa do problema. A violência sexual cometida por pessoas de fora do ambiente doméstico ainda é pouco registrada e apresenta forte subnotificação — cenário reforçado por barreiras culturais, medo de julgamento e ausência de suporte institucional adequado.
Grupos como mulheres indígenas, migrantes e com deficiência estão entre os menos representados nas estatísticas. A OMS ressalta que, sem dados confiáveis sobre essas populações, políticas públicas específicas se tornam mais difíceis de implementar.
Outro obstáculo é o acesso desigual a canais de denúncia e serviços especializados. Em muitos países, mulheres dependem economicamente de seus agressores ou vivem em contextos onde a violência é socialmente naturalizada, o que reduz a probabilidade de que busquem ajuda.
Diante da estagnação global, a OMS recomenda que governos reforcem estratégias de prevenção e proteção. Entre as prioridades, o relatório destaca:
Ampliar programas de prevenção baseados em evidências, com foco na educação de comunidades e na transformação de comportamentos;
- Fortalecer serviços de saúde, jurídicos e sociais, para atender mulheres de forma acolhedora e eficiente;
- Investir em sistemas de dados mais robustos, capazes de captar informações sobre grupos vulneráveis;
- Aplicar leis e políticas públicas já existentes, garantindo que mulheres tenham meios reais de proteção.
Para especialistas, o avanço dependerá de investimentos contínuos, participação da sociedade e revisão das estruturas culturais que sustentam relações de poder desiguais. Sem essas mudanças, afirmam, os números devem continuar estáveis, mantendo milhões de mulheres em ciclos de violência.