Sequestro de alunas na Nigéria reacende alerta sobre avanço de grupos armados no país
Ataque a internato no Estado de Kebbi deixou um vice-diretor morto e levou 25 estudantes; autoridades fazem buscas em regiões de mata
CONFLITO INTERNACIONALCriminosos armados invadiram, na madrugada desta segunda-feira (17), um internato feminino de ensino médio em Maga, no Estado de Kebbi, noroeste da Nigéria, e sequestraram 25 alunas. O ataque ocorreu por volta das 4h, no horário local (0h em Brasília), e deixou um vice-diretor morto e um segurança ferido. A ação, marcada por violência e rapidez, reacende a preocupação com a crescente atuação de grupos criminosos armados que há anos aterrorizam a região.
De acordo com o porta-voz da polícia, Nafi’u Abubakar Kotarkoshi, os sequestradores invadiram os dormitórios fortemente armados, “disparando esporadicamente”. Quando as equipes policiais chegaram ao local, os criminosos já haviam pulado a cerca da escola e fugido levando as 25 estudantes.
O ataque causou forte comoção no estado, que acumula episódios semelhantes nos últimos anos. Pela gravidade do caso, uma força-tarefa composta por policiais, militares e milícias civis foi acionada e percorre as rotas utilizadas pelos criminosos. As equipes também fazem buscas em áreas de mata fechada próximas à instituição de ensino, consideradas possíveis esconderijos dos grupos conhecidos como “bandidos”, como são chamados localmente.
Mortes e feridos durante a invasão - A ação criminosa deixou um rastro imediato de violência. O vice-diretor da escola, cuja identidade não foi divulgada, foi baleado pelos sequestradores e morreu ainda no local. Um segurança da instituição também ficou ferido e recebeu atendimento médico. O ataque, descrito como “atroz” pela polícia, é visto como mais um capítulo da escalada de violência que afeta diversas regiões da Nigéria.
Ainda não houve reivindicação oficial do sequestro por parte de qualquer grupo armado. Contudo, o modus operandi da invasão, aliado ao histórico de ataques na mesma região, faz as autoridades acreditarem que a ação pode estar relacionada a facções criminosas que operam com foco em obtenção de resgate.
O ataque desta segunda-feira não é um caso isolado em Kebbi. Em 2021, criminosos armados sequestraram mais de 100 estudantes e funcionários de uma escola pública. O caso ganhou repercussão internacional e levou meses para que parte das vítimas fosse resgatada ou libertada mediante pagamento.
Esse tipo de crime se tornou frequente nos últimos anos, especialmente no centro e noroeste do país, regiões marcadas pela ausência de presença sólida do governo e pela atuação de quadrilhas armadas. O sequestro de estudantes tornou-se um meio lucrativo de obtenção de dinheiro, já que famílias e autoridades, pressionadas pelo medo, acabam cedendo ao pagamento de resgates.
A escalada atual de violência remete a um dos episódios mais chocantes da história recente da Nigéria: o sequestro de 276 meninas em Chibok, no Estado de Borno, em 2014. O ataque, atribuído ao grupo extremista Boko Haram, gerou comoção internacional e deu origem à campanha global “Bring Back Our Girls”.
Apesar dos esforços diplomáticos e militares, cerca de 100 meninas sequestradas em 2014 ainda estão desaparecidas. Muitas das jovens que retornaram relataram ter sido forçadas a se casar e a viver sob controle dos militantes, algumas voltando com filhos após anos de cativeiro.
Conflitos ampliaram atuação do crime organizado - A violência que atinge a região inicialmente tinha relação com disputas por terra e água entre comunidades de pastores e agricultores, mas, ao longo dos anos, se transformou em um complexo sistema de crime organizado. Quadrilhas passaram a dominar áreas rurais inteiras, impondo controle sobre vilarejos, cobrando “taxas de proteção”, realizando saques, assassinatos e sequestros.
A fragilidade da infraestrutura estatal, somada ao difícil acesso a regiões remotas, facilitou a expansão dessas redes criminosas. A falta de efetivo policial e a precariedade de rotas de vigilância também ampliam a vulnerabilidade de escolas, internatos e comunidades isoladas.
O surgimento do Boko Haram, em 2009, intensificou a instabilidade no país, especialmente na região nordeste. O grupo extremista, que inicialmente tinha cunho religioso e político, passou a adotar ações armadas sistemáticas, incluindo atentados, massacres e sequestros de larga escala.
Embora Kebbi não seja um dos estados mais atingidos pelo Boko Haram, especialistas alertam que a atuação do grupo inspirou novas facções e estimulou a violência em outras regiões, contribuindo para a fragmentação do cenário de segurança na Nigéria.
Governo enfrenta desafios para controlar a crise
O governo federal nigeriano tem sido pressionado por organizações internacionais, comunidades locais e líderes políticos para reforçar a segurança em regiões afetadas. No entanto, a extensão territorial do país — que é o mais populoso da África — e a atuação descentralizada dos grupos criminosos dificultam o combate às quadrilhas.
Em muitos estados, milícias civis têm se aliado às forças oficiais na tentativa de frear os ataques. A falta de recursos e a baixa integração de inteligência entre as diferentes regiões, porém, dificultam respostas mais rápidas e eficazes.
Enquanto forças de segurança avançam na busca pelas estudantes, famílias de Maga vivem horas de angústia. Reunidos nos arredores da escola, parentes e moradores esperam por informações e pedem que o governo aja com agilidade para resgatar as alunas.
Organizações internacionais ligadas à educação e aos direitos humanos também acompanham o caso e reforçam que ataques a escolas violam tratados globais de proteção à infância e ao direito à educação.
O governo de Kebbi ainda não informou se negociações serão abertas ou se o processo seguirá exclusivamente pelas vias de busca e resgate. A ONU acompanha o caso e recebeu relatório detalhado da polícia local.