Governo vai à Justiça contra médicos que lucram com conteúdos antivacina nas redes sociais
Ministério da Saúde anuncia ações civis e criminais e cobra retirada de cursos e tratamentos sem comprovação científica
NACIONALO Ministério da Saúde vai adotar medidas em quatro frentes contra médicos que publicam conteúdos antivacina nas redes sociais e lucram com a venda de cursos, consultas e tratamentos sem respaldo científico. A informação foi confirmada neste domingo (16) pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, após revelações do jornal O Estado de S. Paulo sobre a atuação desses profissionais, que somam mais de 1,6 milhão de seguidores na internet.
As ações incluem representação junto aos Conselhos Regionais de Medicina, processo por danos coletivos, ação criminal por crime contra a saúde pública e notificação extrajudicial às plataformas digitais para remoção de conteúdos considerados enganosos.
Segundo o ministro, a partir desta segunda-feira (17), o governo vai formalizar:
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Representação aos Conselhos de Medicina: para que os profissionais sejam investigados e punidos pelas entidades de classe.
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Ação civil pública: por propagação de desinformação que coloca em risco o direito coletivo à saúde.
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Ação criminal: por oferta e comercialização de tratamentos não reconhecidos pela ciência.
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Notificação às redes sociais: para retirada imediata de conteúdos que promovem “síndrome pós-spike”, venda de cursos e tratamentos sem eficácia comprovada.
“A desinformação deliberada sobre vacinas fere o direito à saúde e será combatida com rigor”, afirmou Padilha.
A principal teoria defendida pelos médicos investigados é a da “síndrome pós-spike” — também chamada de “spikeopatia” —, que associa a proteína spike induzida pelas vacinas de RNA mensageiro (mRNA) a sintomas semelhantes à covid longa. A tese, no entanto, não tem validação científica e sequer foi reconhecida por órgãos internacionais de saúde.
Apesar disso, os profissionais oferecem tratamentos e cursos baseados nessa teoria. Os valores vão de R$ 685 por curso até R$ 3.200 por consulta particular. A justificativa para os tratamentos é baseada em um artigo publicado por três médicos brasileiros na revista científica IDCases, que acabou sendo rejeitado e removido do ar após questionamentos sobre sua validade.
O estudo em questão tem entre seus autores o imunologista Roberto Zeballos, o infectologista Francisco Cardoso e o neurologista Paulo Porto de Melo. Procurados pelo Estadão, apenas Cardoso e Zeballos responderam.
Cardoso afirmou que o artigo “jamais se propôs a criar protocolos”. Já Zeballos disse que o estudo visava apenas “inspirar ensaios clínicos”, embora tenha feito postagens nas redes indicando o uso do tratamento.
Padilha também destacou os investimentos do governo federal em pesquisas com vacinas de mRNA. O Brasil vai destinar R$ 150 milhões para criação de duas plataformas de produção — uma na Fiocruz (RJ) e outra no Instituto Butantan (SP) — e mais R$ 60 milhões para atrair pesquisadores estrangeiros.
“A tecnologia do RNA mensageiro nos dá agilidade para responder a futuras pandemias. Ter domínio dessa ferramenta é estratégico para proteger a saúde pública”, explicou.
O ministro citou ainda que a discussão sobre desinformação em saúde também pautou a COP30, realizada neste fim de semana em Belém. Segundo Padilha, o negacionismo científico, tanto na área ambiental quanto na saúde, tem impactos diretos sobre a vida das populações mais vulneráveis.
“O Plano de Ação Belém visa justamente enfrentar os efeitos das mudanças climáticas nos sistemas de saúde. Combater o negacionismo é parte fundamental disso”, afirmou.