Inflamação no cérebro pode ser chave para avanço do Alzheimer, diz estudo brasileiro
Pesquisa da UFRGS aponta que só há progressão da doença quando duas células cerebrais estão ativadas
SAÚDEUm novo estudo liderado pelo neurocientista Eduardo Zimmer, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), traz uma nova perspectiva sobre o avanço do Alzheimer. Publicada na revista Nature Neuroscience, a pesquisa aponta que a inflamação cerebral é um fator decisivo para que a doença se estabeleça e avance — o que pode mudar as estratégias de tratamento nos próximos anos.
A descoberta indica que o acúmulo das proteínas tau e beta-amiloide, frequentemente ligadas ao Alzheimer, não é suficiente para causar os danos cognitivos por si só. Para que esse processo aconteça, é necessário que duas células do sistema nervoso — astrócitos e microglias — estejam simultaneamente em estado de alerta, ou seja, reativas. Essa condição leva à inflamação do cérebro, o que abre caminho para a progressão da doença.
Avanço científico foi possível com novas tecnologias
O trabalho de Zimmer e sua equipe se destaca por conseguir, pela primeira vez, observar a interação entre essas células em pacientes vivos. Isso foi possível graças ao uso de exames de imagem de alta precisão e biomarcadores ultrassensíveis, que permitiram rastrear como essas células reagem ao acúmulo de proteínas.
“Sabíamos que a placa beta-amiloide fazia o astrócito reagir. O que não sabíamos é que a microglia também precisava estar ativada para que a doença progredisse”, explica Zimmer. Segundo ele, apenas quando as duas células estão reativas é que se observa a associação com os prejuízos cognitivos típicos do Alzheimer.
Com base nessa nova compreensão, os pesquisadores conseguiram explicar até 76% da variância cognitiva entre os pacientes analisados — um índice considerado alto para estudos da área.
As chamadas “pedrinhas” de beta-amiloide e tau continuam sendo centrais no desenvolvimento da doença. Elas são grumos insolúveis que se acumulam no cérebro e desencadeiam a resposta imune das células. No entanto, o estudo revela que, para que esse acúmulo leve ao Alzheimer, o ambiente cerebral precisa estar inflamado.
Esse novo modelo reforça a ideia de que o Alzheimer não é causado por um único fator, mas por um conjunto de elementos, incluindo predisposição genética e o chamado “expossoma” — todas as exposições que uma pessoa sofre ao longo da vida.
Entre os fatores de risco já conhecidos para o Alzheimer estão o tabagismo, o consumo excessivo de álcool, o sedentarismo e a obesidade. Por outro lado, práticas como atividade física regular, alimentação saudável, sono de qualidade e estímulo intelectual são considerados protetores.
Zimmer destaca que, embora ainda não se saiba exatamente o que dá origem às placas beta-amiloide, é possível reduzir o risco de desenvolver Alzheimer por meio de hábitos saudáveis. “Quanto mais exposições boas ao longo da vida, menores as chances de desenvolver a doença”, resume.
Caminho para novos tratamentos - Até hoje, a maior parte dos medicamentos em desenvolvimento para o Alzheimer tem como alvo a remoção das placas beta-amiloide. A nova descoberta sugere que isso pode não ser suficiente. Segundo Zimmer, será preciso também agir sobre a inflamação cerebral e, especificamente, sobre a comunicação entre astrócitos e microglias.
“Além de remover as ‘pedrinhas’, será necessário acalmar o cérebro, interromper esse diálogo inflamatório entre as duas células”, afirmou o neurocientista.
O estudo tem apoio do Instituto Serrapilheira, uma das principais entidades de fomento à ciência no Brasil.