Bruna Rocha | 14 de novembro de 2025 - 22h00

Procurador alerta para riscos de equiparar facções criminosas ao terrorismo

Vladimir Aras afirma que mudança pode afetar empresas, atratividade do Brasil e não resolve falhas da lei

NACIONAL
Vladimir Aras alertou para os impactos legais e econômicos de associar facções criminosas ao terrorismo. - (Foto: LUCIO BERNARDO JR)

O procurador regional da República, Vladimir Aras, criticou nesta sexta-feira (14), em entrevista ao UOL News, os projetos em tramitação na Câmara dos Deputados que buscam enquadrar facções criminosas como organizações terroristas. Para ele, a proposta não apenas falha em corrigir problemas estruturais da legislação brasileira como também pode gerar efeitos colaterais negativos, especialmente no campo econômico e diplomático.

“Infelizmente, essas propostas que estão em discussão sobre a lei do terrorismo não são apropriadas. Elas não resolvem um problema genético, original da lei brasileira, e criam outros”, disse o procurador, que também é professor e especialista em direito penal e segurança pública.

Segundo Aras, reclassificar facções criminosas como grupos terroristas não altera a efetividade dos instrumentos de combate já disponíveis ao Ministério Público e à Polícia. “A nossa caixa de ferramentas é a mesma para terroristas e faccionados: penas de prisão, restritivas de direitos e multa. Não temos pena de morte nem prisão perpétua. Então, não faz diferença o rótulo, se é organização terrorista ou criminosa convencional”, afirmou.

Ele argumenta que, embora haja estudos internacionais que apontem vínculos entre crime organizado e terrorismo, essa associação não apresenta ganhos práticos no contexto brasileiro. “Organizações terroristas podem ver vantagem econômica em atividades ligadas a facções, e facções podem ver vantagem em atos terroristas. Mas essa mistura, para dentro do país, não tem utilidade”, completou.

Para Vladimir Aras, a mudança no enquadramento legal pode prejudicar diretamente o ambiente de negócios no Brasil. O procurador alertou que empresas que atuam em regiões dominadas por facções — e que hoje já enfrentam situações de extorsão ou coerção — correm o risco de serem responsabilizadas por financiamento ao terrorismo, caso a nova legislação seja aprovada.

“Corremos risco de avaliações negativas não só por agências de rating, mas também por organismos internacionais que lidam com prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo. Isso é muito significativo para o setor empresarial”, avaliou.

Ele apontou que, atualmente, pagamentos forçados a criminosos são enquadrados como extorsão, concussão ou corrupção. “Mas se essas facções forem tratadas como terroristas, empresas que pagarem para operar em determinadas áreas podem ser acusadas de financiar terrorismo. Isso reduz a atratividade do nosso mercado diante do risco mais elevado”, disse.

O projeto de lei que trata do tema tramita na Câmara sob relatoria do deputado federal Guilherme Derrite (PP-SP), ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo. O texto original do governo foi substituído por uma versão apresentada por Derrite, que gerou forte reação de especialistas e autoridades do setor.

As principais críticas se concentram na equiparação entre crimes cometidos por facções e atos terroristas, além de uma proposta que reduziria o papel da Polícia Federal na condução das investigações de organizações criminosas.

Após a repercussão negativa, o relator recuou parcialmente e apresentou uma nova versão do substitutivo na terça-feira (11). O projeto deverá ser levado à votação na próxima terça-feira, dia 18.