Carolina Brígido e Guilherme Caetano | 13 de novembro de 2025 - 20h00

Big techs recorrem ao STF para adiar efeitos de decisão que amplia sua responsabilidade

Empresas como Google, Facebook e X pedem prazo para se adaptarem à nova regra que amplia deveres sobre conteúdos ilícitos

POLÍTICA
Empresas como Google, Facebook e X pedem prazo ao STF para se adaptarem às novas regras sobre conteúdos ilícitos. - ( Foto: Dongyu Xu/Adobe Stock)

As gigantes de tecnologia que atuam no Brasil recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar adiar a aplicação dos efeitos da decisão que aumentou a responsabilidade das plataformas digitais sobre o conteúdo publicado por seus usuários. O recurso, chamado de embargos de declaração, foi protocolado por empresas como Google, Facebook e X (ex-Twitter) e por entidades do setor.

Embora esse tipo de recurso não reverta a decisão, ele serve para esclarecer pontos do julgamento e pode acabar ampliando as obrigações das plataformas. Para evitar esse efeito colateral, as big techs optaram por focar unicamente na definição do prazo de início da vigência da decisão, sem questionar diretamente os pontos mais sensíveis da nova jurisprudência.

Entenda o que mudou

Antes da decisão do STF, as plataformas só eram responsabilizadas por conteúdos ilícitos se não cumprissem decisões judiciais específicas. Com a nova interpretação, essa regra vale apenas para crimes contra a honra — como injúria, calúnia e difamação.

Para outros tipos de crimes — como discurso de ódio, apologia ao crime ou incitação à violência — a retirada do conteúdo poderá ser exigida por simples notificação, sem a necessidade de decisão judicial. Isso já ocorria, por exemplo, em casos de direitos autorais e divulgação não autorizada de nudez.

O que pedem as empresas

No recurso apresentado, o Google solicita que o STF esclareça quando começa a valer a decisão, a fim de evitar interpretações diferentes nos tribunais e um possível aumento de processos judiciais. A empresa também sugere a criação de requisitos mínimos para notificações de remoção de conteúdo, como a descrição detalhada do ato ilícito e a legitimidade do solicitante. O objetivo é evitar abusos e sobrecarga no Judiciário.

O Google também pede a correção do termo “chatbot” utilizado no acórdão, alegando que a expressão não se refere a mecanismos automatizados de publicação, como o texto sugere.

Já o Facebook (Meta) requer que o início da vigência seja seis meses após o trânsito em julgado, ou seja, após a conclusão de todos os recursos e a publicação do novo acórdão. A empresa também sugere que o STF utilize o termo “manifestamente ilícitos” para conteúdos que possam ser retirados sem ordem judicial, como forma de evitar interpretações subjetivas.

Além disso, a Meta pede para que o termo “presunção de responsabilidade” seja substituído por “presunção relativa de culpa”, deixando claro que a plataforma não pode ser considerada criminosa pela publicação de terceiros, a não ser que haja omissão.

A plataforma X, controlada por Elon Musk, argumenta que as medidas exigidas pelo STF são “custosas e complexas” e que demandam tempo para adequação técnica, jurídica e operacional. A empresa cita outros marcos legais como exemplo, como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que teve 24 meses de transição, e o ECA Digital, que estipulou seis meses de adaptação.

Outras entidades querem ajustes no texto

Além das big techs, ao menos 11 entidades do setor digital também apresentaram embargos ao STF. A Wikimedia Foundation, que administra a Wikipédia, solicitou um regime específico para plataformas “neutras” ou de baixa interferência, que não impulsionam, vendem ou monetizam conteúdos.

A fundação argumenta que, por ser uma organização sem fins lucrativos, não se enquadra na lógica das redes sociais comerciais. Por isso, acredita que deveria haver uma diferenciação na aplicação da regra, evitando que seja tratada com os mesmos critérios de empresas como Google ou Meta.

Já o InternetLab defende que a ampliação da responsabilidade se restrinja a redes sociais e apps de mensagens com características similares. A ideia é que não se apliquem os mesmos critérios a todos os provedores de forma indistinta.

A organização Sleeping Giants, por sua vez, tocou em um ponto considerado sensível para as plataformas: a responsabilidade sobre anúncios e conteúdos pagos. O grupo afirma que, nesses casos, pode haver responsabilização das empresas mesmo sem notificação, desde que elas não atuem com a devida diligência para remover o conteúdo indevido.

A entidade solicita que o STF defina melhor conceitos como “tempo hábil”, “atuação diligente” e “rede artificial de distribuição”, para evitar decisões judiciais divergentes pelo país.

Por fim, a Sleeping Giants também pediu que o Supremo reconheça o papel do Executivo na regulamentação da internet no Brasil, apontando que a Corte foi omissa nesse ponto.

E agora?

Os embargos de declaração serão analisados pelo STF, mas ainda não há data prevista para julgamento. A decisão original resultou em 14 tópicos principais, alguns deles com lacunas deixadas propositalmente, para que o Congresso Nacional e o Poder Executivo pudessem legislar sobre o tema.

Enquanto isso, o governo Lula optou por engavetar temporariamente o projeto de lei sobre regulação de plataformas digitais, apostando que a decisão do STF pode suprir essa lacuna jurídica de forma provisória.

A depender da resposta do STF aos recursos, as obrigações das plataformas poderão até ser ampliadas, o que explica a cautela das big techs neste momento.