MP do Rio identifica sinais de execução e decapitação em mortos da megaoperação no Alemão
Perícia aponta lesões atípicas em corpos de suspeitos mortos durante ação contra o Comando Vermelho; relatório pode reforçar denúncia por violação de direitos humanos
VIOLÊNCIA POLICIALUm relatório técnico do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) revelou indícios de possíveis execuções durante a megaoperação policial realizada nos complexos do Alemão e da Penha, na zona norte da capital fluminense. A análise pericial identificou lesões consideradas atípicas em dois dos 121 corpos de mortos no confronto, entre eles suspeitos e policiais.
Produzido pela Divisão de Evidências Digitais e Tecnologia (DEDIT) do MPRJ, o documento aponta que um dos corpos apresentava sinais de disparo de arma de fogo à curta distância. O outro, além de ferimento provocado por projétil, tinha evidências de decapitação, possivelmente causada por instrumento cortante.
“Um corpo apresentava lesões com características de disparo de arma de fogo à curta distância. Outro corpo possuía lesão produzida por projétil de arma de fogo à distância, porém apresentava, adicionalmente, ferimento por decapitação, produzido por instrumento cortante ou corto-contundente”, detalha o relatório.
Denúncias de abusos e violações de direitos - A operação, uma das mais letais da história do Rio de Janeiro, reacendeu o debate sobre violência policial e violações de direitos humanos em territórios de favela. Moradores dos complexos relataram à imprensa casos de corpos mutilados, com marcas de facadas, desmembramentos e sinais de tortura, encontrados em áreas de mata após os confrontos.
Esses relatos foram reforçados pelo alerta emitido no início do mês pelo Ministério Público Federal (MPF), que apontou indícios de "grave violação de direitos humanos" e anexou o documento à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635 — a chamada "ADPF das Favelas", em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF).
Embora o relatório do MPRJ não represente um pedido formal ao STF, os peritos sugerem o aprofundamento das investigações sobre a dinâmica dos confrontos e a conduta dos agentes envolvidos.
A equipe do MPRJ utilizou tecnologia avançada para documentar os corpos e as lesões com precisão. Foram realizadas 334 varreduras corporais individuais, cujos dados foram armazenados em uma plataforma de gerenciamento de evidências digitais. O material possibilitou a reconstrução dos corpos em modelos tridimensionais (3D) de alta fidelidade, com o objetivo de registrar, analisar e preservar as provas periciais de forma técnica e imparcial.
O grupo de trabalho foi composto por oito profissionais, entre médicos legistas, técnicos e assistentes periciais. Eles acompanharam de forma independente os exames de necropsia realizados pela Polícia Científica do Rio de Janeiro.
A recomendação do grupo pericial é clara: uma análise minuciosa das imagens das câmeras corporais dos policiais envolvidos na operação e escaneamentos dos ambientes onde ocorreram os confrontos são fundamentais para garantir a transparência da apuração.
Contexto de escalada da violência - A megaoperação foi deflagrada como resposta ao avanço do Comando Vermelho nas comunidades da Penha e do Alemão. A ação mobilizou centenas de agentes e resultou em 121 mortos, número que tem sido questionado por entidades de direitos humanos, defensores públicos e familiares das vítimas.
Enquanto a Secretaria de Segurança Pública do Rio defende a operação como legítima, o Ministério Público e o MPF sustentam que a gravidade das lesões e os relatos de abusos exigem investigação independente e criteriosa, com respeito à cadeia de custódia das provas e acompanhamento judicial.