Américas perdem certificado de eliminação do sarampo após surto no Canadá
Brasil mantém status de país livre, mas baixa adesão à segunda dose da vacina preocupa autoridades
SAÚDE PÚBLICAA Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) retirou oficialmente o certificado que reconhecia o continente americano como livre da transmissão endêmica do sarampo. A decisão foi tomada após o Canadá registrar circulação sustentada do vírus por pelo menos 12 meses consecutivos, caracterizando endemia da doença.
“Se um país na região perde o certificado, a região toda acaba perdendo essa condição”, explicou Jarbas Barbosa, diretor da Opas, em entrevista coletiva nesta segunda-feira (10). Ele destacou, no entanto, que a perda é reversível com esforço conjunto dos países.
Segundo Barbosa, o risco de reintrodução do vírus permanece alto enquanto a eliminação não for alcançada em nível global. “Temos vários surtos de sarampo no mundo, e os países das Américas recebem casos importados todos os dias. Mas já mostramos que, com compromisso político, cooperação regional e vacinação sustentada, podemos reconquistar o certificado”, afirmou.
Casos crescem nas Américas
Até 7 de novembro, foram registrados 12.596 casos confirmados de sarampo em 10 países do continente, incluindo o Brasil. Três países concentram 95% dos casos: Canadá, México e Estados Unidos. A alta é expressiva: o número é 30 vezes maior que o total registrado em 2024.
O sarampo já provocou 28 mortes neste ano: 23 no México, 3 nos Estados Unidos e 2 no Canadá. Sete países enfrentam surtos ativos: Canadá, México, Estados Unidos, Bolívia, Brasil, Paraguai e Belize — todos com origem em casos importados.
Dados da Opas indicam que 89% dos infectados não estavam vacinados ou não tinham comprovação de vacinação. Crianças menores de 1 ano são as mais afetadas e também as mais vulneráveis a complicações graves, como encefalite, cegueira e morte.
“O vírus do sarampo é um dos mais contagiosos que existem. Uma única pessoa infectada pode transmitir para até 18 outras. A cobertura vacinal com duas doses precisa ser de pelo menos 95% em todas as comunidades para interromper a transmissão”, alertou Barbosa.
Situação no Brasil
Apesar da perda do certificado regional, o Brasil segue com o status de país livre da transmissão endêmica do sarampo. O país havia reconquistado esse reconhecimento em novembro de 2024 e, até o momento, não registrou circulação sustentada do vírus por tempo suficiente para perder essa classificação.
Em 2025, o Brasil notificou 34 casos, a maioria deles no Tocantins (25), seguidos por três no Mato Grosso. Os demais foram registrados no Distrito Federal (1), Rio de Janeiro (2), São Paulo (1), Rio Grande do Sul (1) e Maranhão (1).
O surto mais preocupante ocorreu em Campos Lindos (TO), onde quatro pessoas voltaram infectadas de viagem à Bolívia e transmitiram o vírus a 18 moradores da mesma comunidade, conhecida por resistir à vacinação. Outros três casos ocorreram fora dessa comunidade. O surto segue ativo, já que o último caso confirmado apresentou sintomas em 12 de setembro, e ainda não se completaram as 12 semanas necessárias sem novos registros para encerrar oficialmente a ocorrência.
Autoridades em alerta
Renato Kfouri, presidente da Câmara Técnica para Eliminação do Sarampo, Rubéola e Síndrome da Rubéola Congênita do Ministério da Saúde, confirmou que o Brasil apresentou seu panorama à Opas, que recomendou intensificar a vigilância e ampliar a cobertura da segunda dose da vacina.
“O Brasil está detectando precocemente os casos, fazendo bloqueios vacinais e atuando especialmente nos bolsões de baixa cobertura”, destacou Kfouri, que também é vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim).
Ele alerta que a vigilância ativa e a vacinação em duas doses são os pilares que sustentam o status de país livre do sarampo. “Estamos perto de 95% de cobertura na primeira dose, mas ainda abaixo de 80% na segunda. Isso é um risco”, enfatizou.
A diretora da Sbim, Isabela Ballalai, também destacou o risco crescente devido ao aumento de casos em países vizinhos e na América do Norte. “Se não chegarmos a, no mínimo, 95% de cobertura vacinal, teremos mais e mais surtos. A perda do certificado regional é um retrocesso importante para a saúde pública”, avaliou.
Vacinação no SUS
A vacina contra o sarampo é gratuita e faz parte do calendário básico do Sistema Único de Saúde (SUS). A primeira dose é aplicada aos 12 meses, com o imunizante tríplice viral, que protege contra sarampo, caxumba e rubéola. A segunda dose deve ser tomada aos 15 meses, com a tetraviral, que também protege contra a varicela (catapora).
Qualquer pessoa com até 59 anos que não tenha registro das doses deve procurar uma unidade de saúde para atualizar a carteira de vacinação.