'Bom Menino': diretor transforma seu cachorro em astro de filme de terror premiado
Ben Leonberg gravou por três anos o longa estrelado por Indy, um retriever de 8 anos que vive o protagonista de uma história sombria contada pela perspectiva de um cão
VARIEDADESO diretor Ben Leonberg garante que há aspas na palavra “atuação” ao se referir ao protagonista de Bom Menino, seu novo filme de terror. Isso porque a estrela da produção é Indy, seu próprio cachorro, um retriever de oito anos, que sequer sabia estar participando de um longa-metragem.
“Não posso enfatizar o suficiente que ele não sabe que está em um filme”, brincou Leonberg em entrevista recente.
Bom Menino apresenta o terror sob uma perspectiva inusitada: a de um cachorro. A trama acompanha um cão cujo dono doente se muda para uma casa isolada na floresta, onde forças malignas passam a se manifestar. Os personagens humanos aparecem quase sempre nas sombras, e o público vive o medo pelos olhos e reações de Indy.
Leonberg e a esposa, Kari Fischer, que assina a produção, afirmam que o animal nunca foi colocado em situações assustadoras. O desafio foi criar a sensação de uma performance canina usando enquadramentos, som e montagem — técnica que rendeu ao filme o prêmio Howl of Fame no festival South by Southwest (SXSW).
“Estávamos dizendo o título do filme o tempo todo durante as filmagens”, contou Leonberg.
O trabalho do casal chamou atenção da crítica. No The New York Times, Erik Piepenburg destacou “os olhos suaves e a postura focada de Indy”, afirmando que o cão transmite “alegria, compaixão e, surpreendentemente, terror”.
Com apenas 73 minutos de duração, Bom Menino levou mais de 400 dias de filmagem ao longo de três anos, realizados na casa do casal em North Jersey, nos Estados Unidos. Durante o processo, apenas Leonberg, Fischer e Indy participaram das cenas; as vozes humanas foram adicionadas na pós-produção.
Segundo Fischer, Indy acabou se empolgando com a rotina. “Ele é muito inteligente. Quando via a câmera, já sabia que ia fazer alguma coisa e ficava animado”, disse. Em algumas cenas filmadas sob a perspectiva do animal, o cachorro tentava entrar no quadro para não ficar de fora.
A inspiração veio de uma nova leitura de “Poltergeist” (1982). Leonberg lembra da cena inicial do clássico, quando um golden retriever percorre a casa antes de o sobrenatural se manifestar. “Pensei que alguém deveria fazer um filme como aquele, mas contado pelo cachorro”, disse.
Antes de chegar ao formato final, o diretor produziu curtas em que recriava cenas famosas de filmes de terror — como o momento de O Iluminado em que uma bola rola até o menino Danny —, mas com Indy no papel central.
Controlar o olhar e a postura de um cachorro diante das câmeras foi o maior obstáculo. “O desafio é como controlar a linha de visão de um cão”, explicou Leonberg. O objetivo era aplicar o efeito Kuleshov, técnica cinematográfica em que o público interpreta emoções a partir de uma expressão neutra dependendo do contexto da montagem.
Para isso, o set era mantido calmo e frio, evitando que Indy ficasse ofegante. “Quando ele está neutro, é Ryan Gosling em Drive. Quando está ofegante, é Ryan Gosling em Barbie. Filmes completamente diferentes”, brincou Fischer.
As gravações exigiam paciência: apenas uma tomada por dia era feita. Leonberg analisava as imagens no dia seguinte para repetir enquadramentos e garantir consistência.
O cão reagia a palavras aleatórias para parecer assustado ou atento. “Há uma cena em que ele parece horrorizado, mas estávamos apenas dizendo: ‘Frango! Faisão!’”, contou Fischer.
Astro canino - Apesar da bravura de seu personagem, Leonberg admite que o Indy da vida real é mais brincalhão do que heroico. “Se um espírito balançasse um brinquedo, ele provavelmente desistiria da missão. Para ele, é bola de tênis, fim de jogo”, disse o diretor, rindo.
Após as filmagens, a produção foi registrada junto à American Humane Association, conforme as normas do sindicato americano de atores (SAG).
O filme, que combina humor e tensão, mostra como o olhar de um cachorro pode ser suficiente para carregar uma narrativa de terror — e como o vínculo entre dono e animal pode render uma das ideias mais originais do cinema recente.