MP-RJ aponta 'Gardenal' como gerente-geral do tráfico no Complexo da Penha
Denúncia lista 69 líderes do Comando Vermelho; megaoperação na Penha e no Alemão deixou 121 mortos
ALTA PERICULIDADEA denúncia apresentada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro ao Judiciário identifica 69 pessoas como as principais lideranças do Comando Vermelho (CV) no Complexo da Penha e relaciona gerentes e soldados do tráfico a uma organização criminosa com atuação violenta e aparato bélico. Entre os nomes destacados pelo MP está Carlos da Costa Neves, o 'Gardenal', apontado como gerentegeral do tráfico na Penha e responsável, segundo os promotores, pela expansão e pela coordenação operacional da facção em áreas da grande Jacarepaguá.
O documento, que chegou à Justiça num momento em que a polícia realizou uma megaoperação nos complexos da Penha e do Alemão — ação policial que terminou com 121 mortos, incluindo quatro agentes — descreve a estrutura hierárquica do grupo e atribui ao denunciado funções que vão desde a aquisição de armamento e uso de drones até a determinação de execuções e torturas transmitidas por vídeo.
Na peça acusatória, o MP divide os investigados em três categorias: principais lideranças, com atuação no Complexo da Penha e homens de maior confiança; gerentes do tráfico locais e de localidades coligadas; e soldados do tráfico e outros membros de menor hierarquia. Gardenal figura entre os denunciados no primeiro grupo — as “principais lideranças” — e, conforme descreve o MP, exerce chefia sobre a maior parte dos traficantes da região.
De acordo com a denúncia, Gardenal teria papel central na organização do poder bélico do CV no território: orientaria a compra e o emprego de armas de grosso calibre, o uso de drones para vigilância e a instalação de equipamentos de monitoramento que garantiriam, segundo os promotores, domínio territorial e vantagem operacional frente às forças policiais. A peça menciona ainda que o acusado aproveitaria sua “larga experiência” no tráfico para treinar e preparar recrutas e subordinados para confrontos.
Ordens de execução e manutenção da disciplina - O MP descreve Gardenal como um chefe que não atua apenas na área logística ou financeira, mas que também determinaria execuções e punições para impor disciplina. Promotores relatam que ele teria ordenado a morte de um soldado do tráfico por supostamente “perder” um carregamento, orientando que a execução fosse feita de forma exemplar — “na frente de geral” — para intimidar demais integrantes.
Essas práticas, segundo o documento, fazem parte de um repertório de violência institucionalizada pelo grupo: além das execuções, Gardenal seria responsável por organizar e comandar “tribunais do tráfico” e métodos punitivos aplicados contra moradores suspeitos de colaboração com rivais ou das forças de segurança.
A denúncia também aponta para a ostentação de bens de alto valor como efeito da posição de liderança do denunciado. Fotos anexadas ao processo, diz o MP, teriam mostrado Gardenal com carros de luxo, joias vistosas, armações de alto calibre e grandes quantias de dinheiro, o que, para os promotores, comprovaria o acesso a recursos financeiros significativos provenientes das atividades ilícitas.
Segundo o MP, o controle de recursos serviria não só para a aquisição de armamento, mas também para financiar a estrutura de segurança do grupo — incluindo câmeras, informantes e tecnologia de vigilância — além de remunerar subalternos e manter a cadeia logística do tráfico.
Vídeo de tortura e transmissão em tempo real - Um dos trechos mais graves da denúncia referese à existência de material audiovisual em que um homem aparece arrastado por um carro, amordaçado e algemado, supostamente submetido a tortura para que confessasse participação em delação a um grupo rival. Promotores afirmam que, ao final do vídeo, aparece uma chamada de vídeo com o rosto atribuído a Gardenal na tela, o que foi interpretado pelos investigadores como indício de que ele acompanhava ou comandava a ação.
O MP sustenta que esse tipo de prática — além de configurar crimes graves como tortura e organização criminosa — demonstra a função simbólica da violência no interior da facção: a exposição pública dos castigos segue um propósito de intimidação e reforço da hierarquia.
A reportagem não localizou a defesa de Carlos da Costa Neves até a publicação desta reportagem. A denúncia formal do MP dará início à tramitação judicial, na qual caberá ao Judiciário avaliar a suficiência das provas e decidir sobre a decretação de medidas cautelares, como prisões temporárias ou preventivas, além de eventual recebimento da denúncia e abertura de ação penal.
A peça do MP deverá motivar diligências complementares — como quebras de sigilos, perícias em vídeos e documentos e oitivas de testemunhas — para consolidar o conjunto probatório. Caso a Justiça acolha a denúncia, os acusados passarão a responder criminalmente pela organização e pelos crimes que lhes foram imputados.
Operação policial e repercussão - A denúncia chega associada ao contexto da megaoperação realizada pelas polícias Civil e Militar no último dia 28, que teve como alvos as comunidades do Complexo da Penha e do Complexo do Alemão. Fontes oficiais informaram que a ação, motivada por mandados de busca, apreensão e prisão, resultou em confrontos de grande intensidade e no expressivo número de vítimas citadas.
O episódio provocou forte repercussão local e internacional, alimentando debates sobre a estratégia de enfrentamento do crime organizado, a letalidade das operações de segurança pública e a situação das comunidades afetadas. Organizações de direitos humanos e representantes comunitários têm questionado a proporcionalidade do uso da força e exigido transparência nas apurações sobre mortes ocorridas durante a operação.
A formalização da denúncia pelo MP tem potencial para direcionar novas fases investigativas e para sustentar pedidos de prisão e medidas para desarticular as estruturas logísticas e financeiras do CV no Rio. Ao identificar líderes, gerentes e soldados, o órgão ministerial busca atribuir responsabilidades que permitam a interrupção de mecanismos de comando e de financiamento criminoso.
Para especialistas em segurança e operadores do direito, a denúncia representa um passo formal relevante, mas ainda depende de robusta instrução probatória para converter acusações em condenações. O sucesso das medidas passará pela capacidade de produzir provas técnicas e testemunhais que vinculem, de modo inequívoco, os denunciados às condutas descritas.