Bolsonaro tenta reduzir pena no STF com tese de crime único na trama golpista
Defesa aposta em recurso técnico para diminuir sentença de 27 anos, mas especialistas apontam baixa chance de mudança na decisão
JUSTIÇA E POLÍTICAA redução de penas é a última esperança do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e dos demais condenados no chamado “núcleo crucial” da trama golpista de 8 de Janeiro. As defesas entregaram nesta segunda-feira (27) ao Supremo Tribunal Federal (STF) os embargos de declaração, recurso usado para apontar eventuais contradições nas decisões, mas que dificilmente altera o mérito do julgamento.
Os pedidos serão analisados pela Primeira Turma da Corte, em plenário virtual, a partir de 7 de novembro. Caso os recursos sejam rejeitados, as condenações transitarão em julgado, abrindo caminho para o início do cumprimento das penas — salvo se houver tentativa de apresentar embargos infringentes, hipótese considerada apenas formal, já que esse tipo de recurso só é admitido quando há divergência de dois votos, o que não ocorreu. Apenas o ministro Luiz Fux divergiu parcialmente.
Tese da consunção é principal aposta da defesa - Entre as principais estratégias das defesas está o pedido de aglutinação dos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado — argumento jurídico conhecido como princípio da consunção penal. A tese defende que o delito menos grave deve ser absorvido pelo mais grave, evitando dupla punição por fatos relacionados.
De acordo com os advogados de Bolsonaro e do general Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, o golpe seria o meio para atingir a abolição do Estado Democrático de Direito, não dois crimes distintos. O ex-presidente foi condenado a 27 anos e 3 meses de prisão, e Braga Netto, a 26 anos.
“A ausência de distinção entre os momentos executórios ou os objetos jurídicos concretamente atingidos torna a aplicação do concurso formal não apenas possível, mas obrigatória”, diz o recurso da defesa de Bolsonaro.
Se o argumento for aceito, a pena do ex-presidente poderia cair em 8 anos e 2 meses, e a de Braga Netto, em 8 anos e 6 meses. No entanto, juristas avaliam que essa possibilidade é remota.
Nos primeiros julgamentos dos atos golpistas, em 2023, a consunção chegou a ser discutida entre os ministros, mas a tese foi rejeitada pela maioria. Apenas André Mendonça e Luís Roberto Barroso (hoje aposentado) votaram favoravelmente à absorção dos crimes. Recentemente, o ministro Luiz Fux passou a adotar o mesmo entendimento, mas a corrente ainda é minoritária no tribunal.
Para a advogada Beatriz Alaia Colin, especialista em Direito Penal, o cenário para revisão é desfavorável. “A formação de maioria para condenar pelos dois delitos indica que o colegiado considerou condutas distintas e desígnios autônomos, o que afasta a absorção. Assim, a chance de a Turma, nos embargos, ‘aglutinar’ os tipos e reduzir fortemente a pena é pequena”, avaliou.
Já a criminalista Ana Krasovic defende que o STF deveria rever o entendimento e aplicar a consunção nos casos do 8 de Janeiro. “Em tais situações, aplica-se o princípio da absorção: o crime meio é incorporado pelo crime fim. A tese é sólida e coesa do ponto de vista técnico”, afirmou.
Revisão das penas pode ocorrer por ajustes na dosimetria - Outro caminho apontado pelas defesas é a dosimetria das penas, ou seja, o cálculo do tempo de reclusão a partir de fatores agravantes e atenuantes previstos em lei. Os advogados alegam que as penas base foram fixadas em patamares diferentes, sem justificativa suficiente, e que as circunstâncias “amplamente desfavoráveis” usadas para aumentar a condenação não foram devidamente fundamentadas.
A defesa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres chegou a comparar sua pena à de réus de homicídios notórios, como Elize Matsunaga e Bruno Fernandes, argumentando desproporcionalidade.
Para o advogado Pierpaolo Cruz Bottini, professor de Direito Penal da USP, a dosimetria é a via mais plausível para algum tipo de revisão. “É a única linha argumentativa inédita no processo. A consunção já foi superada. Ainda assim, é difícil prever mudanças expressivas”, ponderou.
Especialistas avaliam que o STF deve apenas ajustar pontos específicos das condenações, sem reduzir substancialmente as penas. “A Primeira Turma fixou as penas dentro de uma moldura coerente entre os corréus, com fundamentação específica”, explica Beatriz Alaia. “Mesmo havendo divergências pontuais, a tendência é manter a estrutura das sentenças, com eventuais refinamentos em multas ou regimes iniciais.”
Dos oito condenados no núcleo principal da trama golpista, apenas o tenente-coronel Mauro Cid, que firmou acordo de delação premiada, não apresentou recurso.