Isabela Moya | 22 de outubro de 2025 - 10h05

Canetas como Ozempic e Mounjaro ainda são inacessíveis e uso estético preocupa, diz especialista

Medicamentos revolucionaram o tratamento do diabetes tipo 2 e da obesidade, mas alto custo e uso inadequado limitam o acesso e aumentam riscos à saúde

SAÚDE
Especialistas afirmam que medicamentos como Ozempic e Mounjaro revolucionaram o tratamento da obesidade, mas ainda são inacessíveis para a maioria da população. - (Foto: Divulgação)

As canetas injetáveis usadas no tratamento do diabetes tipo 2 e da obesidade, como Ozempic e Mounjaro, representam uma revolução na medicina moderna mas ainda estão fora do alcance da maioria dos brasileiros. O alerta foi feito pela endocrinologista Maria Edna de Melo, integrante da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), durante o Summit Saúde e Bem-Estar do Estadão, realizado na terça-feira (21), em São Paulo.

“É uma evolução, mas uma evolução para poucos”, afirmou Maria Edna, que também atua no Grupo de Obesidade do Hospital das Clínicas da USP.

A médica explicou que, mesmo com a previsão de queda nos preços, os medicamentos não devem se popularizar. “Não há perspectiva de redução de custo que vá popularizar esses tratamentos. Muito dificilmente eles vão chegar à população em geral”, completou.

No Brasil, 30% dos adultos convivem com a obesidade, uma doença crônica que aumenta o risco de diabetes, doenças cardiovasculares e apneia do sono. Os análogos de GLP-1, princípio ativo dessas canetas, imitam um hormônio intestinal que regula a glicose e o apetite, e se tornaram um divisor de águas na endocrinologia.

O problema, segundo os especialistas, é o custo elevado da tecnologia. A produção e logística das canetas envolvem processos caros, o que dificulta o acesso em larga escala.

Há expectativa de novas formulações orais — comprimidos que usam a mesma tecnologia —, mas elas ainda estão em desenvolvimento e devem levar tempo até se tornarem mais baratas.

Apesar do sucesso, os remédios não são indicados para qualquer pessoa. Eles foram testados apenas em pacientes com obesidade (IMC acima de 30) ou em casos de sobrepeso (IMC acima de 27) acompanhados de comorbidades, como diabetes tipo 2, hipertensão ou colesterol alto.

O endocrinologista Carlos Minanni, do Hospital Israelita Albert Einstein, reforça que o uso fora dessas condições pode trazer riscos.

“Os remédios são seguros, mas não para todos. Para quem tem indicação, os benefícios superam os riscos. Para quem usa sem necessidade, pode haver efeitos colaterais importantes”, afirmou.

Uso estético

Durante o painel “Nova era de combate à obesidade”, médicos e nutricionistas alertaram para o uso indiscriminado das canetas com fins estéticos, impulsionado por redes sociais e divulgação inadequada.

“Essas canetas não são remédios para emagrecer, e sim para tratar a obesidade como doença”, destacou Minanni. “O uso recreativo pode transformar uma pessoa saudável em um paciente.”

A nutricionista Marcela Kotait, do Hospital das Clínicas da USP, reforçou que é preciso educar profissionais de saúde para que não prescrevam sem avaliação adequada. “Se você não tem indicação clínica, o uso é perigoso. As pessoas estão tratando o medicamento como algo milagroso, e isso não existe”, disse.

Além dos riscos individuais, o debate abordou o estigma da obesidade. Segundo Maria Edna, a visão de que a condição está ligada à “falta de força de vontade” é um dos principais entraves para o tratamento. “Quando reduzimos a obesidade a uma questão de comer muito ou se exercitar pouco, deixamos de enxergar as causas reais e afastamos o paciente do cuidado”, afirmou.

O coordenador Mark Barone, do Fórum Intersetorial de Condições Crônicas Não Transmissíveis, defendeu que a obesidade seja tratada como questão de saúde pública, com políticas intersetoriais que envolvam educação alimentar e regulação da indústria de ultraprocessados.

Marcela Kotait também defendeu a criação de ambientes mais saudáveis, com políticas de preço para reduzir o consumo de ultraprocessados e incentivo à prática de atividades físicas. “Precisamos dificultar o acesso aos ultraprocessados e facilitar o consumo de alimentos naturais”, concluiu.