Luís Eduardo Costa | 20 de outubro de 2025 - 12h35

Urbanismo para o futuro: arborização é chave para cidades saudáveis

Arquiteto e urbanista, ex-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Mato Grosso do Sul (CAU/MS) e ex-secretário municipal do Meio Ambiente e Gestão Urbana da Prefeitura de Campo Grande

URBANISMO
Luis Eduardo Costa defende arborização urbana como política pública essencial para saúde, qualidade de vida e resiliência das cidades brasileiras. - (Foto: Divulgação)

O Brasil pulsa com novo ritmo. Longe das capitais e dos grandes centros litorâneos, um fenômeno transformador redefine nosso mapa demográfico e econômico: o crescimento acelerado das cidades do interior. Impulsionados por fatores como o agronegócio modernizado, a valorização de commodities agrícolas e a implantação de novas plantas industriais, esses municípios atraem investimentos, geram empregos e impulsionam a economia a patamares inéditos.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) tem apontado consistentemente para essa descentralização do crescimento demográfico, revelando que, enquanto as grandes metrópoles enfrentam estagnação ou desaceleração, muitas cidades de médio porte — especialmente em regiões como o Centro-Oeste, o Oeste da Bahia, o Norte do Paraná e o Sul de Minas Gerais — superam a média nacional em taxas de crescimento populacional e de Produto Interno Bruto (PIB) municipal. Essa pujança econômica, frequentemente atrelada à produção de grãos, proteínas animais e silvicultura, bem como à instalação de indústrias de transformação, é um convite irrecusável ao progresso.

Contudo, em meio a essa efervescência, reside um desafio crucial: o crescimento acelerado, se desprovido de um olhar estratégico para o futuro, pode rapidamente transformar o sonho de prosperidade em um complexo emaranhado de problemas urbanos. Estamos, sem dúvida, em um ponto de inflexão. Podemos trilhar o caminho do desenvolvimento consciente, que edifica cidades vibrantes e resilientes, ou o da expansão desordenada que, por sua natureza, engendra o caos e compromete irremediavelmente a qualidade de vida de seus habitantes.

Quando abordamos o planejamento urbano e ambiental, transcende-se a mera discussão de mapas e zoneamentos. Falamos, na verdade, da construção de cidades que respiram, que promovem o bem-estar e que se erguem sobre pilares de justiça social para todos. Os conceitos mais avançados de urbanização apontam para a edificação de cidades sustentáveis, inteligentes, responsivas e resilientes, nas quais a infraestrutura verde assume um papel tão vital quanto o asfalto que cobre nossas ruas ou os edifícios que tocam o céu.

Imagine um lugar onde a arborização transcende o mero detalhe paisagístico, tornando-se elemento central na mitigação das ilhas de calor, na purificação do ar, na interceptação de águas pluviais, na redução do custo energético, no cuidado à biodiversidade que também divide o ambiente urbano e, sobretudo, na promoção da saúde coletiva. A urgência de um Plano Nacional de Arborização Urbana, como o que tem sido discutido e promovido pelo Ministério do Meio Ambiente, é inegável. Devemos reconhecer que a arborização é uma poderosa ferramenta de saúde pública.

Estudos conduzidos por importantes universidades, como a USP e a UFAL, bem como diretrizes do próprio Ministério do Meio Ambiente, apontam que a presença de áreas verdes e de uma cobertura arbórea adequada nas cidades está diretamente ligada à redução de doenças respiratórias, cardiovasculares e mentais, além de incentivar a prática de atividades físicas e o convívio social (AMATO-LOURENÇO et al., 2016).

Essa ideia é consistente com o conceito de biofilia, tão empregado na arquitetura da atualidade. Ao se pensar além da escala dos ambientes construídos de maneira isolada, é frequente que, em escala urbana, a única “natureza” que alguns habitantes experimentam em suas vidas seja o contato com as florestas urbanas (CAICHE; PERES; SCHENK, 2021; SILVA et al., 2019). Segundo respeitados pesquisadores da USP, verifica-se que, nas últimas décadas, um crescente corpo de pesquisas explorou os benefícios fisiológicos e psicológicos da exposição humana à natureza. Além disso, estudos epidemiológicos e experimentais têm demonstrado a associação entre a existência da arborização urbana e uma série de efeitos benéficos à saúde mental e física das populações que vivem em cidades (AMATO-LOURENÇO et al., 2016).

Dessa forma, é cada vez mais perceptível o papel da arborização urbana como solução para neutralizar a formação de mosaicos antrópicos insalubres nas urbes, uma vez que se configura como infraestrutura capaz de oferecer uma infinidade de serviços ecossistêmicos que garantem a saúde e a sustentabilidade ambiental do meio urbano.

Para que essa visão se concretize, é fundamental que o Brasil avance na implementação de planos de arborização em níveis estadual e municipal. Esses planos devem oferecer aos municípios as ferramentas, o conhecimento técnico e o suporte necessários para que cada um desenvolva e implemente seus próprios projetos locais de arborização, adaptados às suas realidades. Isso inclui desde a capacitação de equipes e o acesso a dados e tecnologias de mapeamento até a criação de viveiros de mudas adaptadas às diversas realidades climáticas do país e a definição de diretrizes para o manejo adequado das árvores. Essa abordagem coordenada e baseada em evidências é a chave para implantarmos uma nova realidade na ocupação territorial, em que o verde se integra organicamente ao tecido urbano, valorizando imóveis, atraindo investimentos e, acima de tudo, elevando a qualidade de vida de todos os cidadãos.

Nesse contexto, a “Regra 3-30-300” é mais do que um conceito; é uma estratégia real e comprovada, já adotada em diversas cidades ao redor do mundo. Proposta pelo renomado silvicultor urbano Cecil Konijnendijk, essa regra sugere que cada pessoa deve ter a capacidade de ver pelo menos três árvores bem estabelecidas a partir de sua residência, local de trabalho ou estudo; que seu bairro deve possuir no mínimo 30% de cobertura de copa arbórea; e que todos devem viver a, no máximo, 300 metros de um espaço verde público de alta qualidade (KONIJNENDIJK, C. C. et al., 2023). Essa regra não é uma camisa de força, mas uma oportunidade de desenvolvermos uma metodologia flexível, que pode evoluir junto com cada realidade urbana brasileira, respeitando as particularidades de cada município e incentivando a inovação local.

Princípios como esses sublinham uma verdade inegável: o planejamento urbano é, em sua essência mais profunda, saúde pública. Cidades bem concebidas reduzem a incidência de doenças respiratórias, incentivam a prática de atividades físicas e fomentam o bem-estar mental, cultivando ambientes mais saudáveis e felizes para todos.

A história, em sua implacável clareza, demonstra que a ausência de planejamento impõe um custo exorbitante. Cidades que se expandem sem diretrizes claras são invariavelmente confrontadas com problemas crônicos que o crescimento rápido, sem a devida gestão, acarreta. A infraestrutura urbana, como redes de água, esgoto, energia elétrica e transporte público, é rapidamente sobrecarregada, gerando congestionamentos e maior demanda por manutenção. A procura por moradia cresce exponencialmente, impulsionando a especulação imobiliária e tornando o acesso à moradia digna um desafio, o que pode levar à proliferação de assentamentos informais e à precarização das condições de vida. Serviços públicos essenciais, como escolas e hospitais, tornam-se insuficientes, deteriorando a qualidade da educação e da saúde.

Do ponto de vista ambiental, o desmatamento para expansão urbana e agrícola, a poluição do ar e da água por efluentes domésticos e industriais e a gestão inadequada de resíduos sólidos tornam-se problemas graves. A perda de áreas verdes e a impermeabilização do solo aumentam o risco de enchentes e a contaminação do sistema solo/água. A mobilidade urbana sofre com o aumento da frota de veículos e a falta de planejamento para o transporte público e ciclovias, resultando em tráfego caótico. E, infelizmente, o crescimento desordenado e a falta de oportunidades para parte da população podem levar ao aumento da criminalidade.

Esses desafios, que o Brasil já enfrenta em diversas regiões, são o contraponto de um desenvolvimento que não prioriza a sustentabilidade. No entanto, o planejamento é a ferramenta indispensável que nos permite antecipar esses problemas, concebendo soluções eficazes antes que se metamorfoseiem em crises incontroláveis. Ele é a ponte sólida que conecta o presente a um futuro desejável, em que o dinamismo econômico pode atrair startups e investimentos em tecnologia, impulsionar o desenvolvimento de cidades inteligentes e fomentar o turismo rural e o ecoturismo, gerando novas fontes de renda e valorizando o patrimônio ambiental. O planejamento assegura que o desenvolvimento econômico seja intrinsecamente acompanhado pela melhoria da qualidade de vida, que o crescimento populacional encontre moradias dignas e infraestrutura adequada, e que a riqueza gerada beneficie a todos, de forma equitativa e sustentável. É a garantia de que nossos filhos e netos herdarão cidades prósperas, e não um legado de problemas acumulados.

Nesse complexo e vital processo de moldar o porvir de nossas cidades, o papel do arquiteto e urbanista revela-se absolutamente insubstituível. Sua atuação transcende o mero desenho de edifícios: trata-se de conceber espaços que funcionem harmoniosamente, que exalem beleza e que fomentem a interação humana e a coexistência pacífica com o meio ambiente.

O arquiteto e urbanista é o profissional dotado da visão sistêmica necessária para integrar as múltiplas dimensões do desenvolvimento — a ambiental, a social, a econômica e a cultural. Sua expertise é a base para projetar cidades funcionais, garantindo a fluidez do trânsito, a universalidade dos serviços públicos e a acessibilidade às áreas verdes; promover a sustentabilidade, incorporando soluções de infraestrutura verde, o uso eficiente de recursos e a resiliência climática; assegurar a equidade, desenhando espaços inclusivos que atendam às necessidades de todas as camadas da população, combatendo a desigualdade socioespacial no acesso a áreas verdes; e, finalmente, preservar o patrimônio, valorizando a história, a cultura e a rica biodiversidade do Brasil.

É o olhar técnico e humanista desse profissional que converte visões em realidade, assegurando que o crescimento seja ordenado, inclusivo e profundamente respeitoso com nosso inestimável patrimônio natural e cultural.

O futuro de nossas cidades, caros leitores, reside verdadeiramente em nossas mãos. O planejamento urbano e ambiental não é um luxo dispensável, mas um investimento fundamental que assegura prosperidade a longo prazo e uma qualidade de vida superior para todos.

É a ferramenta mais potente que possuímos para construir um Brasil mais verde, mais justo e inegavelmente mais resiliente. Para isso, são essenciais políticas públicas coordenadas e estratégias de desenvolvimento integradas, como a implementação de planos diretores participativos e atualizados para ordenar o uso e a ocupação do solo, planos de mobilidade urbana focados em transporte público eficiente e o zoneamento ecológico-econômico (ZEE) para conciliar desenvolvimento e proteção ambiental.

É crucial o investimento em saneamento básico universal, expansão e qualificação de serviços de saúde e educação, e infraestrutura de logística. Além disso, o fomento à diversificação econômica com incentivos fiscais e parcerias público-privadas, a formação profissional e a adoção de políticas de resíduos sólidos e da construção civil com foco em redução, reuso e reciclagem são medidas que transformam problemas em oportunidades. Tudo isso deve ser amparado por uma governança forte, marcada pela participação social, com foco no fortalecimento da capacidade técnica municipal e no diálogo constante com a sociedade civil.

É chegado o momento de a sociedade se engajar ativamente e de exigir que nossos gestores públicos elevem o planejamento à condição de pilar fundamental do desenvolvimento. E, de forma especial, convocamos os arquitetos e urbanistas de todo o país: é nossa responsabilidade profissional e ética promover ativamente a realização de planos de arborização urbana em cada cidade, olhar para o desafio da ocupação territorial com a responsabilidade que o momento exige e usar todo o nosso conhecimento para preservar e construir um futuro mais verde e resiliente. Vamos, juntos, edificar cidades com qualidade de vida e resiliência climática em nosso país. O momento de agir é agora!