17 de outubro de 2025 - 18h00

Brasil concentra maior volume de desinformação sobre vacinas na América Latina, aponta estudo da FGV

Levantamento mostra que o país responde por 40% das mensagens antivacina no Telegram e alerta para os riscos da pseudociência e do medo digital

SAÚDE
Vacinação infantil na Creche Sempre Viva, na cidade satélite de Ceilândia, DF - (Foto: Fabio Pozzebom/ Agência Brasil)

No Dia Nacional da Vacinação, um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) acendeu um sinal de alerta sobre a desinformação na internet. O Brasil lidera o ranking de mensagens falsas sobre vacinas na América Latina, concentrando 40% de todo o conteúdo antivacina que circula no aplicativo Telegram entre 2016 e 2025. O levantamento mapeou mais de 81 milhões de mensagens publicadas em 1.785 comunidades conspiratórias de 18 países da região.

Batizado de Desinformação Antivacina na América Latina e no Caribe (Anti-vaccine Disinformation in Latin America and the Caribbean), o estudo foi conduzido pelo Laboratório de Estudos sobre Desordem Informacional e Políticas Públicas (DesinfoPop/FGV). Segundo os pesquisadores, o Brasil lidera tanto no número de mensagens quanto em usuários ativos, com mais de 580 mil conteúdos falsos ou enganosos sobre imunização.

Ambiente digital sem regulação favorece o avanço de teorias - De acordo com o coordenador do estudo, Ergon Cugler, a posição do Brasil como líder na desinformação sobre vacinas está diretamente ligada à falta de regulação no ambiente digital e à polarização política.“Temos um ambiente digital ainda pouco regulado, com plataformas que lucram com o engajamento por meio do medo. Temos também uma sociedade polarizada, o que cria um terreno fértil para o discurso conspiratório”, afirmou Cugler.

Além do Brasil, países como Colômbia (125,8 mil mensagens falsas), Peru (113 mil) e Chile (100 mil) também aparecem entre os principais emissores de conteúdo antivacina.

As fake news mais comuns: morte súbita, DNA alterado e falsos antídotos - O estudo identificou 175 alegações falsas de danos causados por vacinas e 89 supostos antídotos comercializados como soluções “milagrosas”. Entre as mentiras mais compartilhadas estão as de que vacinas provocam morte súbita (15,7%), alteração do DNA (8,2%), Aids (4,3%), envenenamento (4,1%) e câncer (2,9%).

Alguns grupos chegaram a recomendar práticas bizarras, como andar descalço para “limpar energias” (2,2%) ou consumir dióxido de cloro (1,5%) — uma substância tóxica que chegou a ser vendida durante a pandemia de covid-19 sob o nome de Solução Mineral Milagrosa (MMS).

O Ministério da Saúde reforça que o dióxido de cloro não tem eficácia comprovada e pode causar sérios danos à saúde. “Usado em produtos de limpeza, a substância é altamente reativa e tóxica, podendo levar a graves riscos e até à morte”, alertou o ministério em nota divulgada no ano passado.

Um mercado de desinformação lucrativo e perigoso - Segundo Cugler, a desinformação não é apenas um problema social — é também um mercado altamente lucrativo. “Ela [a desinformação] funciona como um funil de vendas: primeiro, espalha medo com alegações falsas sobre vacinas e, depois, oferece produtos, cursos e terapias como supostas ‘curas’. O antivacinismo virou um mercado, onde o pânico é transformado em lucro”, explicou o pesquisador.

Esses conteúdos, afirma ele, imitam o linguajar científico para conquistar credibilidade, mas não têm respaldo acadêmico. “O objetivo é plantar dúvida e medo, minando a confiança na ciência”, completou Cugler.

A pandemia e a explosão das mensagens antivacina - O auge da desinformação sobre vacinas ocorreu durante a pandemia de covid-19. O volume de mensagens em comunidades conspiratórias cresceu 689 vezes entre 2019 e 2021, saltando de 794 postagens para mais de 547 mil.

Mesmo após o fim da emergência sanitária, o fenômeno não voltou ao patamar anterior: em 2025, o número de conteúdos antivacina ainda é 122 vezes maior do que antes da pandemia, com cerca de 97 mil publicações registradas até setembro.

Para Cugler, o problema ultrapassa o ambiente digital e coloca em risco políticas públicas de imunização. “A desinformação atrapalha o trabalho dos profissionais de saúde e pode reabrir espaço para doenças já controladas”, alertou.

Checagem e confiança em fontes oficiais - O estudo reforça a importância de verificar a origem das informações antes de compartilhar qualquer conteúdo sobre vacinas. “Se [o conteúdo] não vem de uma instituição científica, de saúde pública ou de jornalismo profissional, é melhor não compartilhar. Sempre busque fontes oficiais e converse com profissionais de saúde. Vacina é uma conquista coletiva, não um risco individual”, recomendou Cugler.

Ministério da Saúde intensifica combate às fake news - O Ministério da Saúde reconhece que a desinformação é um dos maiores desafios para a adesão às campanhas de imunização. Para enfrentar o problema, lançou o programa Saúde com Ciência, voltado à educação e verificação de informações sobre vacinas.

Por meio do site da iniciativa, os cidadãos podem consultar dados oficiais, denunciar conteúdos enganosos e até enviar dúvidas para serem respondidas por especialistas. O objetivo é criar uma rede de confiança entre a população e as instituições de saúde pública.

O portal também orienta os usuários sobre como denunciar fake news diretamente nas plataformas digitais, contribuindo para reduzir o alcance desse tipo de conteúdo.