Luiz Guilherme Gerbelli | 15 de outubro de 2025 - 10h35

"Infraestrutura no País atrairá investidores seja qual for o ciclo político"

Na avaliação do CEO do BNB Paribas, a agenda de infraestrutura se consolidou no País; em agosto, banco anunciou um aporte de R$ 773 milhões na operação brasileira com expectativa por crescimento na demanda

RICARDO GUIMARÃES
Queda de juros nos EUA e no Brasil deve ajudar a estimular setor de infraestrutura, avalia Guimarães - (Foto: Werther Santana/Estadão)

O CEO do BNP Paribas no Brasil, Ricardo Guimarães, demonstra otimismo em relação à demanda por projetos de infraestrutura no País. Apesar das incertezas sobre a economia brasileira e do cenário eleitoral ainda indefinido — ao menos por ora —, ele avalia que o setor deve evoluir nos próximos anos.

“Dificilmente vamos ver um leilão de infraestrutura em que não tenha investidor interessado nos próximos dois anos”, afirma o executivo. “Independentemente do ciclo político, a pauta de infraestrutura do Brasil vai evoluir.”

Em agosto, o BNP Paribas anunciou um aporte de R$ 773 milhões na operação brasileira. O maior valor desde 2019. “Neste ano, identificamos que havia essa necessidade de reforçar o capital do banco, à luz do que estamos vendo de demanda”, diz Guimarães. Confira a entrevista:

O banco anunciou recentemente um reforço na operação brasileira. Poderia detalhar essa decisão?

Nós sempre costumamos fazer um plano plurianual de capital, no qual pedimos a cada linha de negócio qual seria a demanda que ela está vendo de operações de clientes — e isso é até uma exigência regulatória do Banco Central. Neste ano, identificamos que havia essa necessidade de reforçar o capital do banco, à luz do que estamos vendo de demanda. E é lógico que isso está casado com o apetite de risco do banco para o Brasil. Lembrando que eu sempre posso atender esse cliente usando tanto o balanço Brasil como o balanço de Paris, dependendo do tipo de necessidade que ele tem. E também identificamos uma demanda maior de balanço do Brasil. Quer dizer, tem um pouco das duas coisas: um aumento de atividade e um aumento de necessidade mais do mercado onshore.

Em qual área o banco enxerga esse crescimento no Brasil?

Independentemente do ciclo político, a pauta de infraestrutura do Brasil vai evoluir nos próximos anos. Estamos vendo um aumento que ocorre há um tempo, como os projetos de infraestrutura em mobilidade, tanto urbana quanto rodoviária, portos, logística. Em São Paulo, várias linhas e projetos de metrô estão sendo destravados e indo para a execução. Portos também. Tem uma nova rodada de licitação e um grande interesse dos players privados em entrar em portos. Temos várias concessões de rodovia chegando ao final e sendo renovadas com novos investimentos. Tem toda parte de tecnologia, de fibra, de torre, de datacenter. Tem uma nova economia verde, ainda incipiente, mas com plantas de hidrogênio, de aço verde e de cimento verde. Essa infraestrutura toda — e ainda há outras — que o Brasil está precisando vai acontecer independentemente do ciclo político. E ela vai se beneficiar desse momento em que a gente vê a taxa de juros nos Estados Unidos começando a refluir e uma perspectiva de que o Brasil comece a entrar num ciclo de easing (flexibilização) monetário. Isso cria condições para termos uma expansão dessa atividade de infraestrutura.

Por que você acha que esse cenário de infraestrutura independe do quadro político?

Há uma confiança maior na questão regulatória brasileira. A pandemia foi um teste importante. As agências regulatórias do Brasil estão funcionando. É lógico que elas sempre podem melhorar, mas têm uma independência. Conversando com alguns clientes, a gente compara como foi o processo reativo do Brasil em termos de readequar contratos vis-à-vis a queda de tráfego na pandemia. O Brasil se saiu muito bem nesse cenário. A gente não fala muito nisso, mas o Brasil teve uma resposta ótima e isso trouxe mais confiança para esses players de que têm uma governança boa para investir no Brasil. Com isso, a gente vê o interesse desses investidores estrangeiros de continuar aqui. A gente fez algumas parcerias, e vou citar um caso em que a gente trabalhou bastante. O da Acciona. O primeiro grande investimento dela aqui foi a Linha 6 do Metrô de São Paulo. Ela está executando (a obra) e vai inaugurar a partir do ano que vem. A partir da experiência que tiveram, ficaram confortáveis em testar outros processos até fora de metrô. Estão testando rodovia, testando linhas de transmissão. São coisas que trouxeram conforto para o investidor.

Próximo governo não escapa de fazer algum tipo de consolidação fiscal, avalia executivo Foto: Werther Santana/Estadão

E do lado do gestor público? Mudou algo?

Do lado do gestor público, a gente não vê uma oscilação muito grande nos últimos anos em relação a essa agenda de infraestrutura, seja via concessão e via Parceria Público-Privada. Eu acho que as duas coisas andam em paralelo e os modelos vão coexistir. A discussão passou para o que a gente precisa fazer para a infraestrutura no Brasil, e isso vai acontecer. E o ente público — pode ser o governo federal ou estadual — vai ter de suportar por meio de uma parceria, porque sozinho não consegue dar conta. Eu acho que há uma prospecção, independentemente do espectro político, de botar isso para funcionar. É lógico que as condições políticas vão definir a taxa de juros, a taxa de retorno. Pode haver um apetite maior ou menor, mas acho que a agenda está posta.

E como o investidor olha o Brasil em relação a seus pares?

Primeiro, olhando para a América Latina. A gente tem um viés de olhar para o nosso umbigo e entender muito mais os problemas que temos, e não as vantagens comparativas. O licenciamento ambiental no Brasil é difícil, mas é muito mais rápido do que em qualquer outro lugar da América Latina. As agências reguladoras têm uma independência, talvez, não tão grande quanto a que a gente queria, mas elas realmente funcionam. Vemos várias empresas que tinham investimentos em outros países da América Latina, como Chile, Peru, Colômbia e México, olhando muito mais para o Brasil. O Brasil tem uma vantagem enorme, que é um mercado consumidor de 220 milhões de habitantes. A comparação, talvez, mais próxima seria o México em termos de oportunidade por conta da proximidade com os Estados Unidos.

E, globalmente, há uma competição com a China e a Índia em termos de mercados emergentes. Cada um tem a sua dinâmica. A China tem um processo regulatório e decisório único. A Índia, em termos de valuation, é mais cara que o Brasil. Então, o Brasil ainda oferece um pouco mais de oportunidade. O Brasil está bem posicionado globalmente nesse sentido. O ReData, que foi anunciado há algumas semanas, também traz uma oportunidade grande em infraestrutura digital que coloca o Brasil como um bom competidor.

Como a eleição presidencial do ano que vem pode impactar esse cenário?

Os projetos que têm leilão com data marcada vão acontecer naturalmente. O que acontece, dada essa incerteza, é, talvez, um escrutínio maior no processo de decisão do investidor em termos de socializar mais esse risco. Mas lembrando que esses projetos geralmente são de 20, 30 anos. Eles não estão olhando para o próximo ciclo político. Estão num prazo muito mais longo. É também um pouco a nossa cabeça. Não estamos olhando para o próximo ciclo político. Eu acho que ele acelera ou diminui um pouco a velocidade do investimento ou o que você vai exigir em termos de retorno, mas acho que vai acabar acontecendo. O que está na agenda de leilão vai vir. Dificilmente vamos ver um leilão de infraestrutura em que não tenha investidor interessado nos próximos dois anos. Vai haver demanda para qualquer setor de infraestrutura que o governo local ou federal trouxerem.

E qual é o cenário do banco para a taxa de juros no Brasil?

A gente acredita que, durante 2026, a partir de março, teremos cortes, terminando o ano entre 11,75% e 12%. Depende das condições. E aí o Banco Central daria uma parada. E é onde entra o cenário político, principalmente como vai ser endereçada a questão fiscal a partir de 2027 para ver qual será o novo ciclo de juros a partir dali. É um cenário que ainda tem muita incerteza. A gente também vê a inflação terminando 2025 em 4,8% e, mesmo com o relaxamento monetário, ela caminhando para 4,1% em 2026. E, depois, talvez, ainda de uma maneira não tão rápida quanto o Banco Central deseja, caminhando para a meta.

O País vem de aumento de endividamento crescente preocupante. Como vê a questão fiscal?

A próxima administração não vai conseguir escapar de fazer algum tipo de consolidação fiscal. Eu acho que a gente vai ter uma eleição muito diferente da de 2022, na qual vimos todos os espectros políticos prometendo um reforço em programas sociais. Eu acho que dificilmente a gente vai ver um candidato propondo o aumento de programas sociais. Não que não seja justificado, mas eu acho que vai ter uma preocupação muito maior com o lado das contas públicas, de como financiar isso. Vai haver um questionamento muito maior.

E deve ser um ajuste fiscal duro ou tem tempo para fazer de forma gradativa?

A gente costuma olhar muito para eleição presidencial, mas a eleição do Congresso tem um peso super-relevante nisso. Eu acho que é uma combinação dos dois. Talvez, o Congresso reflita mais a realidade da eleição local, da eleição municipal, e a tendência é a gente ter um Congresso que se mantenha de centro-direita. É um Congresso que vai ser extremamente refratário a qualquer aumento de imposto, e que vai demandar um ajuste de despesa. Eu acho que é uma consolidação fiscal que vai exigir um pouco de aperto na economia, de aperto nas condições. E idealmente é melhor que se faça isso de uma vez só, não tentar “fasear” isso ao longo do tempo. Com o teto de gastos e o arcabouço fiscal, o Brasil comprou esse tempo para fazer essa consolidação fiscal. E ele fez alguma coisa já. O País saiu do déficit estrutural para uma coisa perto do equilíbrio, mas esse próximo passo vai ter de ser feito mais rápido, na minha opinião.

Sobre o cenário externo, com o que já foi anunciado, qual é o impacto do tarifaço dos EUA para o Brasil?

O que a gente analisou com a tarifa de 50% é que o impacto econômico é razoavelmente pequeno. Primeiro, porque 45% da pauta de exportação ficou isenta dessa tarifa logo na largada. E, depois, os outros produtos, que representam a maior parte do restante que não ficou isento, são commodities e estão extremamente demandadas mundialmente. Se a gente olhar para o café e para a carne, que, talvez, tenham dificuldade de entrar no mercado americano, esses produtos vão acabar sendo direcionados para outro mercado. Pensando no café, o americano vai comprar café da Colômbia, o Brasil vai vender café para a Colômbia e para quem a Colômbia estava vendendo, porque não tem um excesso de produção no mundo para reter esse café aqui, no Brasil. O impacto final vai ser muito pequeno na economia. É lógico que alguns setores vão sofrer mais, mas não são tão representativos em termos da economia brasileira. A nossa estimativa é de um impacto de 0,1 ponto porcentual no PIB.

E agora tem novos avanços nas discussões entre os dois países...

Eu acho que o Brasil nunca foi uma prioridade em termos de negociação com os Estados Unidos, por conta de ter um déficit com os EUA. Agora, conforme o governo americano vai negociando as outras coisas, acho que vai criando uma visão de que alguma dessas tarifas está sendo prejudicial para a própria economia americana. E o Brasil volta nessa vantagem. Do outro lado, essa pressão vinda dos Estados Unidos, facilitou a discussão em relação ao acordo comercial Mercosul e União Europeia. Eu acho que destravou um pouco essa discussão dentro da União Europeia. Até a França hoje se coloca mais próxima de aceitar o acordo. É lógico que vão ter todas as salvaguardas que estão sendo discutidas, mas eu estou otimista de que esse acordo vai avançar. O Brasil está bem posicionado nesse momento mundial. O principal risco que eu vejo hoje no mundo é o geopolítico. Além dessa guerra comercial que os Estados Unidos começaram, existem as guerras efetivamente no Oriente Médio e na Europa que precisam ser endereçadas e que podem escalar rapidamente para uma situação que não é boa para ninguém.