Rayssa Motta | 14 de outubro de 2025 - 16h05

Réus do núcleo de desinformação tentam se desvincular de plano golpista

Defesas alegam ausência de provas e buscam afastar réus da organização e comando dos ataques ao sistema eleitoral

JULGAMENTO GOLPISTA
Réus do núcleo de desinformação tentam afastar vínculo com trama golpista no STF - Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) começa nesta quarta-feira, 15, a votar o processo contra sete acusados de integrar o núcleo de desinformação do plano golpista que tentou manter Jair Bolsonaro no poder, mesmo após sua derrota nas urnas. As sustentações orais das defesas foram apresentadas nesta terça-feira, 14, em uma tentativa de descolar os réus da cadeia de comando da organização.

Os advogados adotaram uma estratégia clara: isolar a conduta individual dos acusados para tentar neutralizar a tese da Procuradoria-Geral da República (PGR), que os responsabiliza como parte de uma engrenagem coordenada para atacar a democracia.

O contexto não é favorável para os réus. No mês passado, a mesma Primeira Turma condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro, reconhecendo a existência de crimes associados à tentativa de golpe. A decisão serve como base para os julgamentos dos demais núcleos, incluindo o de desinformação.

A linha do tempo da PGR - O procurador-geral da República, Paulo Gonet, organizou as provas em uma linha do tempo que, segundo ele, mostra a atuação sincronizada dos envolvidos. O objetivo comum, conforme a PGR, era impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

Mesmo que os réus não tenham atuado juntos em todos os momentos, o entendimento da PGR é de que suas ações convergiam para o mesmo fim: minar a confiança nas eleições e criar o ambiente propício para um golpe de Estado.

“É certo que dentro de uma organização criminosa os seus integrantes respondem pela totalidade dos ilícitos cometidos”, afirmou Gonet. Ele defende que até ações distantes no tempo são conectadas se estiverem alinhadas ao mesmo objetivo.

Quem são os acusados e o que dizem suas defesas

Ailton Gonçalves Moraes Barros - Capitão reformado do Exército, Ailton Barros foi acusado de pressionar comandantes militares a aderirem ao plano golpista. A Polícia Federal recuperou mensagens entre ele e o general Walter Braga Netto, então ministro da Casa Civil, em que discutiam a postura do comandante do Exército na época, general Freire Gomes.

Numa das conversas, Braga Netto responsabiliza o general pela situação, e Ailton responde: “Vamos continuar na pressão e se isso se confirmar vamos oferecer a cabeça dele aos leões.”

A defesa alega que não há provas de que Ailton tenha cumprido qualquer ordem ou comandado ações de desinformação. “O quadro que se tem aqui é de penumbra probatória”, afirmou o defensor público Gustavo Zorteia da Silva, sustentando que não há evidências de coordenação de campanhas golpistas por parte do réu.

Ângelo Martins Denicoli - Major da reserva do Exército, Denicoli é acusado de participar da produção e divulgação de fake news contra o sistema eleitoral e de fazer a ponte com o influenciador argentino Fernando Cerimedo, que promoveu ataques às urnas em uma live.

O advogado Zoser Hardman afirmou que a denúncia da PGR é genérica e que não há provas concretas da participação de Denicoli. Ele alega que o número de Cerimedo circulava em grupos de WhatsApp e que o major apenas o repassou ao tenente-coronel Mauro Cid, então ajudante de ordens de Bolsonaro.

“O dolo e culpa não se presume. O dolo tem que estar provado”, argumentou Hardman, contestando a tese de que integrar uma organização criminosa torna o réu automaticamente responsável por todos os atos do grupo.

Carlos César Moretzsohn Rocha - Único civil do grupo, o engenheiro eletrônico e presidente do Instituto Voto Legal (IVL) foi denunciado porque os relatórios de auditoria produzidos pela entidade foram usados pelo PL, partido de Bolsonaro, para contestar o resultado das eleições.

A defesa, feita por Melillo Dinis do Nascimento, argumenta que o papel de Carlos Rocha foi técnico e que ele não tem responsabilidade sobre o uso político dos relatórios. “Auditar não é atacar”, disse o advogado.

Ele também ressaltou que o contrato entre o IVL e o PL dava ao partido exclusividade sobre o uso do material. “Todo o material era pertencente ao Partido Liberal”, afirmou. Dinis também questionou o fato de Rocha ter sido denunciado enquanto o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, não.

Todas as defesas se esforçaram para desconstruir a linha narrativa da PGR, atacando o elo entre os acusados e os crimes imputados. A ideia central é que, sem provas diretas da atuação coordenada e da intenção de atacar a democracia, não há como condenar os réus com base em presunções.

O julgamento dos sete integrantes do núcleo de desinformação pode influenciar diretamente os processos dos demais núcleos. Para os investigadores, o núcleo 4 teve papel estratégico ao alimentar a desconfiança sobre o sistema eleitoral, minando a confiança pública e preparando terreno para ações mais agressivas.

A votação começa nesta quarta-feira, 15, e deve se estender pelos próximos dias. A Primeira Turma do STF é formada pelos ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Flávio Dino e Cristiano Zanin. A expectativa é que o resultado sinalize o entendimento da Corte sobre a responsabilidade de atores secundários em uma tentativa de golpe articulada por vários setores.

Caso as condenações se confirmem, os réus do núcleo de desinformação devem enfrentar penas severas, o que reforçaria a tese de responsabilização ampla para integrantes de organizações criminosas voltadas contra a democracia.