Da Redação | 14 de outubro de 2025 - 09h05

Tecnoferência: Como o uso excessivo de telas afeta relações familiares e o desenvolvimento infantil

Distrações digitais interferem na atenção de pais e adultos, prejudicando vínculos afetivos e aumentando riscos psicológicos em crianças e adolescentes.

SAÚDE
Existe uma ligação entre a tecnoferência parental e o aumento do uso de celulares por bebês e crianças pequenas, afirma professor - Foto: gpointstudio/Adobe Stock

Você já se sentiu ignorado por alguém que estava mais atento a uma tela do que a você? Ou já se pegou dividindo sua atenção entre uma pessoa e o celular? Esse fenômeno tem nome: tecnoferência.

Pesquisadores definem a tecnoferência como a interrupção de interações sociais em favor do uso de tecnologias. O impacto é especialmente preocupante em crianças e adolescentes, afetando seu desenvolvimento emocional e social.

Um estudo publicado na Jama Network Open em agosto de 2024 mostrou que a distração parental causada por aparelhos eletrônicos pode prejudicar a saúde mental de crianças e adolescentes. Segundo Vitor Orquiza de Carvalho, professor de Psicologia da FGV e pesquisador visitante em Harvard, interrupções constantes fragilizam a conexão afetiva entre pais e filhos, essencial para que a criança se sinta segura e reconhecida.

Dados de 2018 da Associação Australiana de Promoção à Saúde indicam que 76% dos pais usaram o celular por até 17,5 minutos durante 20 minutos de permanência dos filhos em um parquinho. Orquiza de Carvalho alerta que esse tipo de disputa pela atenção pode gerar sentimentos de desvalorização, aumentando a vulnerabilidade psicológica no futuro.

Impactos na vida familiar e conjugal

A tecnoferência não afeta apenas crianças: ela também prejudica relações conjugais e a dinâmica familiar. Pequenas interrupções tecnológicas podem reduzir a intimidade, gerar conflitos e diminuir a satisfação no relacionamento. “Os cônjuges estão juntos, mas cada um habita outro mundo”, afirma Orquiza de Carvalho.

A socióloga Sherry Turkle, do MIT, chama essa era de “sozinhos-juntos”, em que as interações virtuais substituem parcialmente a convivência real, enfraquecendo laços afetivos. A falta de atenção e escuta pode gerar efeitos de longo prazo, como dificuldade em lidar com emoções e repetição de padrões de indisponibilidade afetiva em outras relações.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e o Governo Federal recomendam evitar o uso de telas até os 2 anos e limitar a 1 hora diária entre 2 e 5 anos. No entanto, dados do Cetic.br mostram que, entre 2015 e 2024, o acesso à internet e a posse de celulares entre crianças de 0 a 8 anos aumentou significativamente.

Orquiza de Carvalho explica que crianças aprendem pelo exemplo: pais que usam dispositivos eletrônicos com frequência ensinam, mesmo que indiretamente, que a atenção às telas é prioritária.

Riscos psicológicos

A tecnoferência prejudica a construção de vínculos afetivos e sociais. Para crianças, preferir telas a interações reais pode comprometer o desenvolvimento emocional. Para adultos, responder mensagens ou assistir a conteúdos durante refeições reduz o tempo de convivência e enfraquece relações familiares, gerando distanciamento e perda de atenção plena.

Orquiza de Carvalho sugere proibir celulares para crianças e adolescentes em casa e na escola, além de estabelecer limites de tempo, criar zonas livres de tecnologia e desativar notificações. Atividades offline, como exercícios, hobbies e momentos de convivência, devem ser priorizadas.

O especialista reforça: os adultos precisam dar exemplo e apoiar políticas públicas que incentivem o uso consciente da tecnologia, garantindo relações mais saudáveis e vínculos afetivos fortes.