Avião não é trator: Receita Federal mira R$190 milhões em despesas rurais indevidas
Fisco identifica uso irregular de aeronaves no campo e notifica produtores por deduções erradas no Imposto de Renda
FISCOEntre 2021 e 2023, os céus das fazendas brasileiras chamaram a atenção por um motivo que não tem nada a ver com o tempo ou com a chuva. Era a Receita Federal que olhava para o alto, mais precisamente para os gastos com aeronaves declarados por produtores rurais no Imposto de Renda.
No centro da história está um número: 190 milhões de reais. Esse é o valor que, segundo o fisco, foi deduzido de forma indevida por 79 contribuintes em suas declarações. O motivo? Aviões que não eram usados para o trabalho agrícola, mas para transporte pessoal, de gestores ou de passageiros.
A investigação faz parte de uma nova etapa da operação Declara Agro, conduzida pela Receita Federal com foco específico nas despesas com aeronaves. Com apoio do Livro-Caixa Digital do Produtor Rural, conhecido como LCDPR, os auditores cruzaram dados e identificaram inconsistências nos lançamentos que deveriam estar, por lei, restritos a atividades agrícolas.
O entendimento da Receita é direto. Apenas aeronaves que operam exclusivamente na atividade rural, como aviões pulverizadores, podem ter suas despesas deduzidas. Gastos com jatinhos usados para deslocamentos a reuniões ou transporte pessoal, mesmo que ligados à gestão das fazendas, não entram na conta.
O cruzamento de dados pelo LCDPR é parte de um novo capítulo na relação entre o fisco e o campo. Lançado para aumentar a transparência nas contas do setor, o sistema permite à Receita visualizar em detalhes cada movimentação financeira de produtores com receita bruta anual acima de 4,8 milhões de reais.
Para contadores e produtores rurais, a mensagem é clara. A lupa está cada vez mais próxima. E o momento agora, segundo o órgão, é de conformidade tributária. Em outras palavras, a prioridade é incentivar a autorregularização e reduzir o número de disputas judiciais.
A discussão sobre o tema não é nova. Ainda em 2021, os advogados Marcelo Guaritá e Manuel Eduardo Borges alertaram para o impacto da implementação do LCDPR. Em artigo publicado no livro Controvérsias Tributárias Atuais do Agronegócio – Volume II, eles abordaram especificamente os riscos de deduções indevidas com aeronaves, apontando a necessidade de atenção ao que pode ou não ser considerado despesa agrícola.
Agora, a previsão virou realidade. E quem opera no campo sabe que, assim como na lavoura, o detalhe faz a diferença. Avião, para fins de imposto, só entra na conta se decolar para o serviço do campo. O restante vai precisar de outro tipo de pouso, mais próximo do fisco do que do hangar.