Lavínia Kaucz | 09 de outubro de 2025 - 18h00

STF dá 24 meses para Congresso criar lei de proteção a trabalhadores afetados por automação

Ministros reconhecem omissão legislativa e cobram regulamentação de direito previsto na Constituição há mais de três décadas

STF
Supremo analisou petição em que o PGR menciona estudo de 2017 da Consultoria McKinsey. - (Foto: Dida Sampaio/Estadão)

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, que o Congresso Nacional tem o prazo de 24 meses para regulamentar a proteção dos trabalhadores diante da substituição de mão de obra humana por tecnologias como automação e inteligência artificial. O julgamento, encerrado nesta quinta-feira (9), reconheceu a omissão do Legislativo em dar efetividade a um direito que já consta na Constituição desde 1988.

A análise do tema teve origem em uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO) movida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em 2022, sob a gestão de Augusto Aras. Na petição, a PGR argumenta que o artigo 7º, inciso XXVII da Constituição, que assegura ao trabalhador "proteção em face da automação", nunca foi regulamentado por lei federal, mesmo após mais de três décadas de sua promulgação.

"Decorridos mais de 33 anos desde a promulgação da Constituição Federal, não houve ainda a edição de lei federal que regulamente o art. 7º, XXVII, da Carta da República, o que se traduz em défice na tutela do direito fundamental à proteção em face da automação", destacou Aras.

O relator do processo, ministro Luís Roberto Barroso, inicialmente votou apenas pelo reconhecimento da omissão legislativa, sem estabelecer prazo para correção. No entanto, diante do posicionamento dos demais ministros, ele ajustou seu voto para fixar o limite de dois anos.

Barroso também defendeu que a futura legislação contemple ações voltadas à requalificação profissional e à criação de redes de proteção social. “A automação pode gerar eficiência econômica, mas não pode deixar para trás milhões de brasileiros”, alertou.

Os ministros Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia enfatizaram que, mesmo na ausência da norma, trabalhadores prejudicados já podem acionar o Judiciário com base no direito constitucional previsto.

O Supremo indicou que, caso o prazo vença sem a devida regulamentação, a Corte poderá intervir de forma indireta. Moraes esclareceu que o STF não redigirá uma nova legislação, mas poderá estabelecer diretrizes com caráter protetivo para garantir direitos básicos. “O mais desejado é que o Congresso regulamente, mas mesmo na ausência de regulação no prazo estipulado, o Supremo poderia estabelecer pontos importantes protetivos”, afirmou o ministro.

Essa possibilidade abre margem para que decisões judiciais, mesmo que não substituam a lei, sirvam como base para proteção a categorias afetadas pela automação.

A petição da PGR cita estudo de 2017 da consultoria McKinsey, que estimava o risco de extinção de até 50% dos postos de trabalho no Brasil por causa da automação e das novas tecnologias. A pandemia de covid-19, segundo o documento, acelerou esse processo ao forçar empresas a adotarem sistemas digitais para garantir produtividade em meio às restrições sanitárias.

O avanço de soluções baseadas em inteligência artificial e o uso crescente de máquinas autônomas em setores como indústria, logística, atendimento e serviços estão transformando rapidamente o mercado de trabalho — muitas vezes à revelia de políticas públicas preparadas para esse cenário.

A decisão do STF coloca pressão direta sobre o Congresso, que agora terá de enfrentar um dos dilemas mais urgentes da economia contemporânea: como equilibrar inovação tecnológica com proteção social e estabilidade no emprego.

O debate legislativo, ao ser finalmente pautado, terá de contemplar aspectos como requalificação de mão de obra, proteção contra demissões em massa automatizadas, incentivos à adaptação tecnológica com responsabilidade social e ampliação de direitos para trabalhadores deslocados por novas tecnologias.

Especialistas alertam que a ausência de políticas nessa área amplia desigualdades e pode gerar efeitos socioeconômicos profundos. “Automação não é um fenômeno futuro. Já está em curso e afeta milhões de brasileiros”, reforça o argumento da PGR.