Iury de Oliveira | 06 de outubro de 2025 - 07h00

Renúncia de primeiro-ministro francês agrava crise política e pressiona Macron

Sébastien Lecornu deixa o cargo após menos de um mês no poder; oposição pede dissolução do parlamento e renúncia do presidente

INTERNACIONAL
Sébastien Lecornu (à esquerda), que ficou menos de um mês como primeiro-ministro, apresentou carta de renúncia ao presidente Emmanuel Macron na segunda-feira, 6. - (Foto: Ludovic Marin/AFP)

A França mergulhou em uma nova crise política nesta segunda-feira (6) com a renúncia do primeiro-ministro Sébastien Lecornu, apenas 27 dias após assumir o cargo. O presidente Emmanuel Macron aceitou o pedido de demissão, que ocorre menos de 24 horas depois do anúncio de um novo gabinete ministerial.

Com isso, o governo de Lecornu entra para a história como o mais breve desde 1958, ano de criação da Quinta República Francesa. A saída repentina reacende o debate sobre a governabilidade de Macron, que enfrenta forte desgaste político e crescente pressão da oposição.

Desde 2022, quando iniciou seu segundo mandato, Macron já teve cinco primeiros-ministros: Élisabeth Borne, Gabriel Attal, Michel Barnier, François Bayrou e agora Lecornu. A sucessão de quedas e substituições evidencia a instabilidade que marca o atual governo francês.

Em carta de demissão apresentada nesta segunda, Lecornu atribuiu sua decisão à falta de consenso entre os partidos políticos. “Eu estava pronto para ceder, mas cada partido queria impor integralmente o seu próprio programa”, afirmou em pronunciamento no pátio do Palácio de Matignon, sede oficial do governo francês.

Horas antes, o premiê havia publicado uma mensagem na rede X (antigo Twitter), na qual reconhecia a “difícil missão” de apresentar um orçamento até 31 de dezembro. Segundo ele, a nova equipe ministerial teria o desafio de “chegar a um acordo com a oposição”, o que se mostrou inviável diante da fragmentação política do país.

A nomeação de Lecornu, feita em 9 de setembro, havia sido vista como uma tentativa de Macron de fortalecer sua base parlamentar e reduzir tensões internas. Ex-ministro da Defesa e aliado do presidente desde 2017, Lecornu era considerado um político de perfil moderado, capaz de dialogar com diferentes espectros partidários. No entanto, sua gestão foi rapidamente cercada por críticas, inclusive da direita, que integra parte da coalizão governista.

A saída de Lecornu amplia a pressão sobre Macron. Após o anúncio da renúncia, líderes da oposição intensificaram os apelos por novas eleições legislativas e, em alguns casos, pela renúncia do próprio presidente. “A contagem regressiva começou”, declarou Mathilde Panot, deputada e líder do partido de esquerda A França Insubmissa (LFI).

A instabilidade política ocorre em meio a uma grave crise econômica. A França é atualmente o país mais endividado da União Europeia (UE) em termos absolutos, e o governo enfrenta dificuldade para aprovar medidas de contenção de gastos. As divergências sobre as finanças públicas foram decisivas para a queda dos dois premiês anteriores, Michel Barnier e François Bayrou.

Além da economia, Macron enfrenta baixa popularidade. Sua reforma da Previdência, que aumentou a idade mínima de aposentadoria de 62 para 64 anos, gerou protestos em massa e abalou sua imagem.

Nas eleições europeias de julho do ano passado, o partido de Macron, o Renascimento, sofreu dura derrota. O presidente respondeu convocando eleições legislativas antecipadas, mas o resultado produziu um parlamento dividido entre três blocos — esquerda, centro-direita e extrema-direita — sem maioria clara. Desde então, a governabilidade se tornou um desafio constante.

Com o vácuo de poder deixado por Lecornu, Macron deve anunciar nos próximos dias um novo nome para chefiar o governo. Entretanto, analistas políticos apontam que, sem uma base sólida no parlamento, o próximo premiê enfrentará as mesmas dificuldades de seus antecessores.

A crise atual reforça o cenário de instabilidade política crônica que marca o segundo mandato de Macron, que termina em 2027. Pela Constituição francesa, o presidente não pode concorrer novamente, o que aumenta a disputa interna por sucessão dentro de seu campo político.