Professores resistem em Gaza com aulas online e bibliotecas improvisadas em meio à guerra
Durante conferência no Brasil, pesquisadora palestina denuncia destruição da Universidade Islâmica de Gaza e dificuldades para continuar estudos
EDUCAÇÃO EM MEIO Á GUERRAMesmo em meio aos bombardeios e à crise humanitária na Faixa de Gaza, professores e estudantes palestinos seguem tentando manter a educação viva. É o que relatou Hala El-Khozondar, professora titular da Universidade Islâmica de Gaza e atualmente pesquisadora no Imperial College de Londres, durante a 17ª Conferência Geral da Academia Mundial de Ciências (TWAS), encerrada na última quinta-feira (2), no Rio de Janeiro.
Segundo ela, apesar da destruição de centros de ensino, docentes ainda gravam aulas e deixam anotações em bibliotecas locais para garantir que os alunos tenham acesso ao conteúdo, mesmo que de forma remota. “Estudar online pode garantir que os alunos não percam sua formação e é um modo de escapar da terrível realidade. Por outro lado, não é justo, porque não é possível para todos”, disse, emocionada.
Os estudantes, por sua vez, dividem o tempo entre os estudos e longas filas por comida, água e energia, muitas vezes só disponíveis em locais abastecidos por painéis solares. A infraestrutura educacional de Gaza foi severamente afetada pela mais recente ofensiva israelense, que destruiu a Universidade Islâmica de Gaza — instituição que abrigava cerca de 18 mil alunos, 200 laboratórios e 20 institutos de pesquisa, além de um hospital universitário.
O presidente da universidade, Sufyan Tayeh, foi uma das vítimas dos ataques aéreos de Israel, morto junto à família em dezembro de 2023, durante bombardeio ao campo de refugiados de Jabalia.
“É preciso sair de Gaza para fazer pesquisa, pois lá não há mais infraestrutura. E é preciso encontrar uma universidade que o receba”, lamentou Hala. Ela também destacou as dificuldades para deixar a região, com fronteiras sob controle israelense e o aeroporto de Gaza totalmente destruído.
Especialista em sistemas de energia solar e sensores ópticos, Hala vive hoje no Reino Unido, mas segue acompanhando a situação dos alunos e professores que ficaram. “Não posso aguentar perder meus alunos a cada semestre”, declarou.
A 17ª edição da Conferência Geral da TWAS reuniu mais de 300 cientistas do chamado Sul Global, com debates sobre ciência em países de baixa e média renda, inteligência artificial, mudanças climáticas e segurança alimentar.
O encontro, organizado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), marcou a primeira vez em que a TWAS é dirigida por um brasileiro: o físico Marcelo Knobel, ex-reitor da Unicamp. Segundo ele, a ciência vem ganhando força em países fora do eixo tradicional. “Hoje, 60% da produção científica global vem de países de baixa e média renda. A geografia da ciência mudou”, afirmou.
Dois brasileiros foram premiados durante o evento. A socióloga Maria Cecília Minayo recebeu reconhecimento na área de ciências sociais, enquanto o físico Luiz Davidovich foi agraciado com o prêmio TWAS-Apex, dedicado à ciência e tecnologia quânticas.
A conferência contou com apoio da Capes, patrocínio da Finep e do BNDES, e reforçou a importância da cooperação internacional entre instituições científicas do Sul Global.