Nova lei da Ficha Limpa gera críticas e pode favorecer retorno de políticos cassados
Entidades denunciam que mudanças enfraquecem combate à corrupção e prometem ação no STF contra nova legislação
POLÍTICAEntidades que atuam na defesa da ética na política reagiram com críticas duras à sanção da nova Lei Complementar nº 219, que altera pontos centrais da chamada Lei da Ficha Limpa. Sancionada com vetos parciais pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última segunda-feira (29), a nova norma é vista por especialistas como uma ameaça à moralidade eleitoral, por facilitar o retorno à vida pública de políticos cassados ou condenados.
O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) classificou o veto presidencial como "irrelevante" diante da essência do projeto aprovado no Congresso Nacional. “Essa alteração fragiliza a moralidade eleitoral e abre caminho para o retorno de políticos condenados às disputas, inclusive com o risco de maior influência de grupos ligados ao crime organizado”, diz nota oficial divulgada pela entidade.
Segundo o MCCE, o núcleo das mudanças foi mantido: a redução dos prazos de inelegibilidade e a flexibilização das regras para sua contagem. Antes, um político cassado ficava inelegível pelo restante do mandato e mais oito anos; agora, o afastamento será de oito anos contados a partir da data da condenação, unificando o prazo mesmo em caso de múltiplas sanções.
A crítica à mudança e o risco de impunidade
O Instituto Não Aceito Corrupção (Inac) também se manifestou de forma incisiva. Em nota, afirmou que o Congresso “legislou em causa própria visando abreviar o retorno à vida política dos violadores da lei”. A entidade classificou a nova legislação como “um ato de abuso do poder de legislar”, comparando-a à polêmica PEC da Blindagem, que recentemente mobilizou protestos em todo o país.
“O texto aprovado desfigura o coração da Lei da Ficha Limpa, que nasceu de ampla mobilização popular”, afirma o instituto. Para as entidades, o maior risco é que políticos com histórico de condenações ou cassações se sintam incentivados a voltar à disputa eleitoral, inclusive com base em interpretações judiciais mais flexíveis da nova regra.
Possível efeito prático: Eduardo Cunha pode voltar
Entre os exemplos de políticos que podem ser beneficiados pela mudança está o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha. Cassado em 2016 e condenado na Lava Jato, ele estaria inelegível por um prazo mais longo na regra anterior. Com a unificação dos oito anos, sua volta ao cenário político se torna juridicamente possível.
A nova lei também fixa em 12 anos o limite máximo de inelegibilidade, mesmo para pessoas que acumulam várias condenações. Especialistas consideram que isso pode abrir brechas para disputas judiciais e reinterpretações que favoreçam réus com múltiplos processos.
Reação no STF e judicialização à vista
Na terça-feira (30), o Partido Rede Sustentabilidade entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a suspensão dos efeitos da nova legislação. O MCCE e o Inac também anunciaram que vão ingressar com ações diretas de inconstitucionalidade, defendendo que as mudanças violam os princípios da moralidade e da proteção da probidade administrativa previstos na Constituição.
Em seu veto parcial, o presidente Lula barrou apenas o trecho que permitia a aplicação retroativa da nova regra, o que poderia beneficiar políticos já condenados de forma imediata. Mesmo assim, o entendimento das entidades é que a essência da mudança foi preservada e pode ter efeitos significativos já nas eleições de 2024.