01 de outubro de 2025 - 08h10

Desigualdade na educação brasileira ainda é naturalizada, alerta especialista

Anuário da Educação Básica 2025 mostra que só 2,4% dos jovens mais pobres alcançam aprendizado adequado; ex-secretário defende ações estruturais

EDUCAÇÃO
Especialista diz que Brasil precisa romper com a naturalização da desigualdade para garantir equidade na educação. - (Foto: Tânia Rêgo)

Reduzir as desigualdades na educação brasileira vai além de ações pontuais — exige romper com um padrão histórico de exclusão social que ainda molda o sistema de ensino. Essa é a avaliação do professor André Lázaro, diretor de Políticas Públicas da Fundação Santillana, ao comentar os dados do Anuário Brasileiro da Educação Básica 2025.

“O Brasil naturalizou a desigualdade”, afirma o especialista. “Joaquim Nabuco já dizia que um país que conviveu 300 anos com a escravidão teria dificuldades em reconhecer a igualdade. Ainda estamos tentando firmar isso como um valor.”

O levantamento, elaborado pela Fundação Santillana, Todos Pela Educação e Editora Moderna, aponta que apenas 2,4% dos jovens do 3º ano do ensino médio pertencentes aos 20% mais pobres atingiram aprendizagem adequada em matemática e língua portuguesa em 2023. Entre os 20% mais ricos, esse índice sobe para 16,3%.

“É uma diferença brutal. Quando olhamos os recortes por renda, raça ou localização — urbano versus rural — os abismos chegam a 20 pontos percentuais em algumas regiões”, destaca Lázaro, que também já atuou como professor da educação básica.

Para Lázaro, a herança social ainda dita o acesso e os resultados escolares no Brasil. “Lamentavelmente, a educação é ainda hoje uma herança de classe, quando deveria ser um direito universal. E essa lógica precisa mudar.”

Na comparação entre redes, a distância se repete: enquanto 4,5% dos estudantes do ensino médio de escolas públicas alcançaram aprendizagem adequada, o índice nas particulares chega a 28%. No entanto, o especialista faz um alerta: “Mesmo entre os 20% mais ricos e nas escolas privadas, os resultados são insuficientes. Isso mostra que o problema é nacional, e não exclusivo da rede pública.”

Ele cita avaliações como o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) para demonstrar que o Brasil, de modo geral, está aquém dos padrões internacionais.

Lázaro destaca ainda que a população negra e os estudantes da zona rural seguem em desvantagem. Segundo ele, há hoje cerca de 5 milhões de matrículas no campo, o que representa 12% das matrículas do país. Mesmo assim, entre 2014 e 2024, 16 mil escolas municipais foram fechadas nessas regiões.

“Essas escolas não foram fechadas apenas por mudanças demográficas. Existe uma pressão para expulsar famílias do campo, o que agrava a concentração fundiária e prejudica a agricultura familiar”, denuncia.

Ele também reforça que o direito à educação deve ser garantido a todos — independentemente de onde vivem. “Se um pai quer oferecer o melhor ao filho e não tem escola no campo, ele vende a terra e vai para a cidade. É um ciclo de exclusão.”

Entre as medidas eficazes já aplicadas no Brasil, Lázaro aponta as políticas afirmativas no ensino superior. “As cotas permitiram que jovens negros, pobres e oriundos de escolas públicas chegassem à universidade. Hoje, muitos se tornaram vozes importantes no debate público.”

Ele acredita que essa transformação pode ser ampliada, desde que haja vontade política e reconhecimento da diversidade brasileira. “A igualdade precisa abraçar a diversidade, não a padronização.”

Apesar dos desafios, o Brasil registrou conquistas importantes. Atualmente, 95% das crianças de até cinco anos estão na pré-escola. Os dados mostram ainda que o índice de matrícula nos anos finais do ensino fundamental chegou a 97,6%, e no ensino médio, a 82,8% — uma alta de quase 10 pontos desde 2014.

“Temos um sistema robusto: 47 milhões de matrículas e 2,3 milhões de docentes. É uma população maior do que muitos países. E há programas estruturados, como a merenda escolar, transporte e distribuição de livros didáticos”, observa o professor.

Contudo, ele chama atenção para o que ainda falta: financiamento adequado, valorização do professor e reconhecimento da pluralidade brasileira. “Hoje, 49% dos docentes das redes estaduais têm contratos temporários. É difícil construir espírito de equipe com uma rotatividade tão alta.”

Outro ponto criticado por Lázaro é a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que, segundo ele, promoveu um excesso de padronização. “Em nome da igualdade, estamos eliminando a diversidade. A educação não pode ser um modelo único para realidades tão distintas.”

André Lázaro reforça que a transformação da educação brasileira passa por um pacto nacional com equidade, financiamento e valorização dos profissionais. “Nossos jovens têm direito a uma educação transformadora. Precisamos parar de aceitar a desigualdade como regra.”