Programa de Alimentação Escolar do Brasil é referência mundial, mas ainda enfrenta desafios
Reconhecido pela ONU, o Pnae atende 40 milhões de estudantes e fortalece a agricultura familiar, mas sofre com limitações orçamentárias e de estrutura
EDUCAÇÃOO Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) completou 70 anos e é considerado pela ONU um dos maiores e melhores modelos de alimentação escolar do mundo. O reconhecimento vem apesar da modéstia nacional, como destacou Daniel Balaban, diretor do Programa Mundial de Alimentos da ONU no Brasil.
A virada de chave para o Pnae ocorreu em 2009, com a lei que transformou a merenda em refeição completa, restringiu ultraprocessados, garantiu a presença de nutricionistas nas escolas e determinou que ao menos 30% dos alimentos fossem comprados da agricultura familiar.
Histórias como a de Fernando Luiz Venâncio, ex-metalúrgico que hoje comanda a cozinha da Escola Johnson, em Fortaleza, ilustram a força do programa. Ele e sua equipe preparam três refeições diárias para mais de 400 alunos do ensino médio integral, com pratos que valorizam a cultura local, como baião de dois e creme de galinha.
Agricultura familiar fortalecida
Para produtores como Marli Oliveira, agricultora em Ocara (CE), o Pnae garante renda e estabilidade. “De tudo que eu produzo, 30% vai para a merenda escolar. Isso faz diferença, principalmente nos pequenos municípios”, relata. Estudos do Observatório da Alimentação Escolar mostram que cada R$ 1 investido no programa gera até R$ 1,66 de impacto positivo no PIB da pecuária e R$ 1,52 na agricultura.
O Congresso aprovou a elevação da participação mínima da agricultura familiar de 30% para 45% a partir de 2026, medida aguardada com expectativa por produtores como Luzia Márcia, de Chorozinho (CE).
Referência internacional
Em setembro, o Brasil sediou a 2ª Cúpula da Coalizão Global pela Alimentação Escolar, reunindo representantes de mais de 90 países. O modelo brasileiro já inspira nações como São Tomé e Príncipe, que contou com apoio técnico de nutricionistas brasileiras para estruturar sua política alimentar.
Atualmente, o Pnae garante refeições a 40 milhões de estudantes, da creche ao EJA. “Sem ele, grande parte desses alunos estaria em insegurança alimentar. Para muitos, a principal refeição do dia é na escola”, reforça Balaban.
Desafios persistem
Mesmo reconhecido mundialmente, o programa enfrenta dificuldades. Em 2025, o orçamento foi de R$ 5,5 bilhões, com repasses diários que variaram entre R$ 0,41 e R$ 1,37 por estudante. Antes do reajuste de 2023, os valores ficaram congelados por cinco anos. Além disso, nem todos os municípios complementam os recursos, especialmente nas regiões Norte e Nordeste.
Um levantamento do Observatório revelou que quase metade dos nutricionistas não consegue atender às exigências do programa. Entre os problemas mais citados estão falta de estrutura, orçamento limitado, inflação dos alimentos e carência de profissionais de nutrição e de cozinha.
Para Albaneide Peixinho, presidente da Associação Brasileira de Nutrição e ex-coordenadora do Pnae, muitos gestores ainda tratam a alimentação escolar como simples “merenda”. “É um programa pedagógico de promoção da saúde. Formar hábitos alimentares saudáveis é tão importante quanto oferecer refeições de qualidade”, afirma.
Apesar dos desafios, o Pnae segue sendo um diferencial do Brasil e uma política pública vista como referência internacional.