Trump classifica Antifa como organização terrorista e especialistas veem ameaça à democracia
Decreto amplia poderes de repressão nos EUA e pode abrir brecha para criminalizar movimentos progressistas, segundo analistas brasileiros
INTERNACIONALO presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou nesta semana um decreto que designa o movimento Antifa como organização terrorista doméstica. A medida foi considerada por especialistas uma das mais duras de seu governo, com potencial para restringir direitos constitucionais e ampliar a repressão a opositores.
Segundo analistas, embora Antifa não seja uma organização formal, mas uma bandeira antifascista e anticapitalista assumida por diferentes coletivos e movimentos sociais, a classificação pode servir de justificativa para criminalizar protestos e manifestações contrárias ao governo.
“Na prática, o que ele está suspendendo, sem mexer na Constituição, é o direito constitucional da livre expressão, de protesto e de dissenso, que é próprio da democracia”, afirmou Thiago Rodrigues, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF).
A medida foi anunciada após o assassinato do ativista conservador Charlie Kirk, aliado de Trump, em um campus universitário em Utah. O suspeito, um estudante de 22 anos, não teve comprovada qualquer ligação com grupos organizados, mas o republicano atribuiu o crime a uma “esquerda radical” e apontou o Antifa como responsável.
Ao contrário do que sugere a ordem executiva, não há um grupo único e estruturado chamado Antifa. O termo refere-se a uma tática de enfrentamento ao fascismo que remonta aos anos 1920, quando movimentos antifascistas surgiram nos Estados Unidos em oposição a organizações pró-nazistas.
Atualmente, o Antifa incorpora pautas de igualdade racial e de gênero e esteve presente, por exemplo, nos protestos do movimento Black Lives Matter, após a morte de George Floyd, em 2020.
“Não existe um grupo organizado, com hierarquia e comando central que se chame Antifa. É uma ideologia e uma prática de mobilização. Torná-la sinônimo de terrorismo é muito preocupante”, explicou Rodrigues.
Nos Estados Unidos, a classificação de terrorismo carrega implicações legais severas desde os ataques de 11 de setembro de 2001. A Ordem Executiva 13.224, criada após os atentados, autoriza o governo a congelar bens e desmantelar redes financeiras associadas a suspeitos.
O decreto assinado por Trump determina que todas as agências federais utilizem “todas as autoridades aplicáveis para investigar, interromper e desmantelar” qualquer operação associada ao Antifa, incluindo o bloqueio de financiamento.
“É uma ação típica de governos autoritários que buscam enfraquecer a sociedade civil considerada hostil”, avaliou Kai Lehmann, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP.
Trump já havia classificado organizações de narcotráfico como terroristas no início do ano e pressiona o Brasil a adotar a mesma postura em relação a facções criminosas. Para a professora Clarissa Nascimento Forner, da UERJ, a nova medida pode aumentar a pressão também sobre movimentos progressistas brasileiros.
“Não duvido que isso seja usado como argumento para reforçar pressões sobre o Brasil, já que aqui também há grupos que se vinculam a pautas antifascistas”, disse Forner.
Apesar disso, Lehmann aponta que a aplicação de algo semelhante no Brasil seria improvável: “A Justiça brasileira tem maior independência em relação ao Executivo, o que permitiria contestar esse tipo de decreto. Nos EUA, a Suprema Corte não pode ser considerada independente nesse mesmo grau.”