Heloíse Gimenes | 26 de setembro de 2025 - 11h06

Mato Grosso do Sul lidera alta de suicídios no país e acende alerta para saúde mental

Estado teve aumento de 72,5% nos casos e enfrenta cenário marcado por isolamento, falta de acesso a tratamento e sofrimento silencioso

SAÚDE MENTAL
Psicóloga Luzia Patusco durante palestra sobre prevenção ao suicídio na Assembleia Legislativa de MS, como parte da campanha Setembro Amarelo. - (Foto: Divulgação)

Na manhã desta sexta-feira (26 de setembro), um auditório da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul se encheu de silêncio e escuta. A psicóloga e psicanalista Luzia Patusco falava sobre algo que, para muita gente, ainda é difícil de nomear: o suicídio. O evento era parte da campanha Setembro Amarelo, e ela fez um alerta direto — não é preciso ser especialista em saúde mental para salvar uma vida. Basta saber ouvir, com atenção de verdade.

O cenário, no entanto, exige mais do que palavras. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, Mato Grosso do Sul registrou em 2024 a maior alta percentual de suicídios do Brasil. Foram 287 mortes no ano passado e 232 já confirmadas neste ano pela Secretaria de Estado de Segurança Pública. A taxa atual é de 9,9 suicídios para cada 100 mil habitantes, a sétima mais alta do país.

O crescimento chama atenção: 72,5% de aumento em relação ao ano anterior. E os números não são apenas estatísticas. São histórias interrompidas, muitas vezes sem aviso, em meio ao silêncio.

Luzia Patusco explicou que o suicídio costuma estar ligado a um sofrimento intenso, profundo, mas muitas vezes invisível. "As estratégias de prevenção passam fundamentalmente pela escuta desse sofrimento, que, muitas vezes, não é explícito, mas se manifesta nas entrelinhas", disse. Para ela, espaços como aquele da palestra são oportunidades para refletir sobre dores que nem sempre encontram palavras.

Thiago Gonçalves, diretor da Escola do Legislativo Senador Ramez Tebet, falou ao público sobre a importância de trazer o tema para dentro do ambiente político. “Nosso compromisso é com a vida”, afirmou. Ele também compartilhou um relato pessoal sobre a própria vivência com depressão e pensamentos suicidas. “A conscientização começa quando falamos sobre isso sem medo.”

Os dados da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) mostram que um em cada quatro brasileiros já teve pensamentos suicidas. Mais da metade dos entrevistados relataram desejo de desaparecer ou se isolar completamente. Esse cenário, segundo os especialistas, está ligado a questões sociais e emocionais profundas: desemprego, discriminação, solidão, pressão familiar e, especialmente, o acesso limitado aos serviços de saúde mental.

Em Mato Grosso do Sul, os desafios se agravam com a extensão territorial e a desigualdade de acesso. Muitos municípios não têm profissionais especializados nem centros de atendimento psicológico. Para boa parte da população, procurar ajuda ainda é um passo difícil — seja pela distância, seja pelo medo de julgamento.

A campanha Setembro Amarelo acontece no Estado há dez anos, com base na Lei Estadual 4.777/2015, proposta pela deputada Mara Caseiro. A mesma parlamentar criou também o projeto “Setembro Amarelo vai à Escola”, instituído pela Lei Estadual 6.449/2025. A ideia é levar a conversa sobre saúde mental para dentro das salas de aula, aproximando o tema das crianças e adolescentes.

Entre os serviços disponíveis para quem busca ajuda estão o CVV (Centro de Valorização da Vida), com atendimento gratuito pelo telefone 188, os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) e o Grupo Amor Vida (GAV), que também oferece apoio emocional sem custos.

A mensagem deixada na Assembleia é clara: escutar pode salvar. E o silêncio que muitas vezes precede o suicídio precisa ser quebrado com empatia, acolhimento e políticas públicas que funcionem para todos — inclusive nos cantos mais afastados do Estado.