Falta de centros de infusão no SUS ameaça tratamento de doenças crônicas
Mesmo com fornecimento gratuito de medicamentos de alto custo, pacientes com doenças autoimunes enfrentam dificuldades para tratamento adequado por ausência de estrutura
SAÚDEFernando Henrique dos Santos, de 42 anos, morador de Guarulhos, na Grande São Paulo, convive há mais de duas décadas com dores intensas, principalmente na coluna. Diagnosticado inicialmente com artrite reumatoide em 2018, teve seu diagnóstico alterado este ano para espondilite anquilosante — uma condição inflamatória que compromete as articulações da coluna vertebral. Apesar de receber gratuitamente o medicamento infliximabe, essencial para o controle da doença, Santos enfrenta um obstáculo decisivo: a falta de locais adequados para a aplicação do remédio pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
O infliximabe, que deve ser administrado por infusão a cada oito semanas, requer estrutura hospitalar com equipe especializada, algo que não está disponível na rede pública onde ele reside. “É feita uma infusão que tem que ser [aplicada] com a equipe especializada”, explica Santos. Até pouco tempo, ele fazia a aplicação em Mogi das Cruzes, por meio de um convênio entre o laboratório fabricante e o governo estadual. Com o fim do contrato, precisou recorrer à rede privada, na zona leste da capital paulista, utilizando o convênio médico.
“Eu estou afastado do serviço, então eu tenho essa possibilidade de estar me deslocando [entre Guarulhos e São Paulo]. Para mim, isso não é problema. A minha maior dificuldade é o tratamento em si: pelo SUS eu não consigo [fazer o tratamento]”, relata.
Vazio estrutural no SUS
A situação vivida por Fernando não é isolada. Segundo a Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), a ausência de centros de infusão no SUS e de protocolos claros para a aplicação de medicamentos biológicos representa uma falha grave no sistema de saúde pública. Esses remédios, fornecidos gratuitamente pelo governo, demandam cuidados especiais para armazenamento, manipulação e administração — exigências que não são contempladas pela atual estrutura pública.
“Existe hoje um vazio entre o doente pegar o remédio e ir a algum lugar que vá atendê-lo e fazer isso com segurança”, alertou o reumatologista Vander Fernandes, coordenador da Comissão de Centros de Terapia Assistida da SBR, durante o Congresso Brasileiro de Reumatologia, realizado em Salvador (BA), entre os dias 17 e 20 de setembro.
Segundo Fernandes, desde que os medicamentos imunobiológicos foram incorporados ao SUS, há mais de 25 anos, houve uma interpretação equivocada de que seriam remédios comuns. Assim, foram incluídos no componente especializado da assistência farmacêutica, que apenas distribui os medicamentos aos pacientes, sem considerar a necessidade de locais adequados para aplicação.
Diferentemente de comprimidos, os medicamentos imunobiológicos são administrados por via endovenosa e podem levar de duas a seis horas para serem infundidos. “Alguns desses medicamentos necessitam de infusão longa, de duas a seis horas. E isso não foi contemplado em nenhum momento até hoje na história do SUS”, afirma Fernandes.
Além disso, muitos desses remédios devem ser armazenados em temperaturas específicas. “Fora da temperatura ideal, ele pode perder a sua qualidade, comprometendo então a sua eficácia e segurança”, adverte o médico. Outro ponto crítico é a observação de reações adversas, que podem ocorrer durante a infusão e exigem a presença de equipe médica capacitada.
Rede pública quase inexistente
Atualmente, o Brasil conta com apenas 61 centros de terapia assistida (CTAs), a maioria privada e concentrada na Região Sudeste. Desses, somente 11 têm contratos com o SUS. Estima-se que cerca de 20 mil pacientes no país utilizem medicamentos imunobiológicos fornecidos pelo sistema público e que demandam infusão endovenosa — todos à mercê da escassez de estrutura adequada.
Pesquisa da Biored Brasil, realizada em julho de 2023 com 761 pacientes, revelou que 10% estavam sem acesso à aplicação dos medicamentos e 46% afirmaram que não havia CTA próximo de casa. Mais da metade (55%) declarou gastar entre R$ 150 e R$ 200 por aplicação, valor que compromete seriamente a renda familiar.
“O que vemos é que tem pessoas que estão com o remédio na mão e não têm onde fazer a aplicação. Isso não tem cabimento”, reforça Fernandes.
Ministério da Saúde estuda mudanças
Questionado sobre a ausência de centros especializados, o Ministério da Saúde informou que está analisando a criação de pontos para funcionarem como centros de terapia assistida. Segundo a pasta, o processo encontra-se em fase de estudos técnicos, sem previsão de implementação.
A SBR defende que o ministério regulamente os CTAs, estabelecendo financiamento federal para que estados e municípios possam credenciar serviços, pleitear recursos e garantir o atendimento a todos os pacientes que dependem dessas medicações para viver com qualidade.
“É preciso entender que não basta entregar o medicamento. É necessário oferecer toda a estrutura para que esse tratamento aconteça de forma segura e eficaz”, finaliza Fernandes.