Em Nova York, crise com Trump ofusca discurso de Lula na ONU e acirra tensão diplomática
Punições a autoridades brasileiras ampliam desgaste entre Brasil e EUA e devem ser abordadas por Lula na abertura da Assembleia-Geral da ONU
RELAÇÕES EXTERIORESO primeiro dia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Nova York foi marcado por um clima de tensão diplomática com os Estados Unidos. A viagem, que tem como destaque o discurso de abertura na Assembleia-Geral da ONU nesta terça-feira (23), acabou ofuscada pela divulgação de novas sanções aplicadas pelo governo Donald Trump contra autoridades brasileiras.
O Departamento de Estado confirmou o cancelamento de vistos do advogado-geral da União, Jorge Messias, e de membros do Judiciário. O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, também foi alvo de restrições e cancelou sua ida aos EUA. Além disso, o Tesouro americano impôs sanções financeiras ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, à sua esposa, Viviane Barci de Moraes, e ao Instituto Lex, ligado à família.
A ofensiva amplia o desgaste entre os dois países e deve ser respondida por Lula durante sua fala na ONU, conforme indicam fontes diplomáticas. O governo brasileiro entende as medidas como tentativa de interferência externa nas instituições nacionais e um ataque direto à soberania do país.
A expectativa é que Lula use o espaço na ONU para defender o multilateralismo e criticar a condução de organismos internacionais como o Conselho de Segurança, que, segundo ele, permanece paralisado diante de crises globais por conta do poder de veto dos membros permanentes.
Em sua 10ª participação nas Assembleias da ONU, o presidente deve cobrar maior representatividade na governança mundial e pedir mais compromisso dos países ricos com o financiamento climático, sobretudo às vésperas da COP-30, marcada para 2025, em Belém (PA). Também vai destacar violações de soberania no Oriente Médio e defender uma saída diplomática para a guerra na Ucrânia.
Apesar das divergências, há possibilidade de que Lula se encontre com o presidente ucraniano Volodmir Zelenski durante a semana, após meses sem diálogo direto. Já com Vladimir Putin, presidente da Rússia, Lula manteve contato em três ocasiões desde agosto.
Em entrevista ao canal norte-americano PBS, Lula classificou como "inacreditável" o comportamento de Donald Trump e criticou a elevação de tarifas sobre produtos brasileiros, que chegaram a 50%. Segundo o presidente, a medida é “absurda” e sem justificativa econômica. Para ele, a postura do ex-presidente republicano é política e ligada ao apoio declarado que deu a Jair Bolsonaro.
Lula ainda afirmou que nunca conversou com Trump, mas não descarta uma eventual reunião. “Na hora que o presidente Trump quiser conversar sobre política, eu também converso sobre política”, disse.
Mesmo diante da crise, Lula manteve sua agenda oficial. Participou de um evento em apoio à criação do Estado palestino, concedeu entrevista à imprensa internacional e se reuniu com o CEO do TikTok, Shou Zi Chew, na residência diplomática brasileira em Manhattan.
O Itamaraty protestou formalmente contra as sanções enviando uma carta ao secretário-geral da ONU, António Guterres. A avaliação de diplomatas é que a relação entre Brasil e EUA atravessa seu momento mais delicado em mais de dois séculos de relações bilaterais.
Enquanto isso, Lula prepara um discurso que promete marcar sua atuação internacional, com forte tom crítico ao unilateralismo, em defesa de uma nova ordem global mais equilibrada e inclusiva.